Mariana van Zeller esteve nas Conferências do Estoril, onde nos deixou umas palavras sobre o papel central e a importância dos jornalistas nos dias de hoje.
Pedro Picoito: Tenho acompanhado o teu trabalho há vários anos e fico sempre muito impressionado. O programa, Trafficked, coloca-te em risco, risco de vida até. Tens uma carreira estabelecida e tens família. Porque é que é importante arriscar assim a vida? O que é que fala mais alto que o teu instinto de sobrevivência?
Mariana van Zeller: Nenhuma história vale uma vida. Eu não vou fazer nenhuma reportagem com a ideia de que não vou conseguir voltar para casa. Há um sistema que temos na National Geographic, e, com a minha equipa, em que nos certificamos de minimizar o risco das reportagens que fazemos. Mas acontece sempre o imprevisível, como aconteceu no Níger. [Quando estava no Níger a gravar uma reportagem, ocorreu um golpe militar]. Tenho passado os últimos vinte anos focada em mostrar às pessoas esta terça parte escondida: os mais de 30% da economia global, que são os mercados negros e cinzentos. Porque têm um impacto enorme na nossa vida. Cada cima e cada baixo da economia formal é muito analisado, mas muito pouco se sabe sobre a economia informal. Por isso, eu tenho visto como a minha missão neste mundo mostrar às pessoas o que acontece nos mercados negros e o que podemos fazer para os entender melhor e, assim, viver num mundo com mais paz e igualdade.
PP: Sentes que esta procura pela verdade de que falas é um dever teu ou fazes por gosto?
MvZ: Faço por gosto. Tenho a maior curiosidade. Tenho a sorte grande como jornalista de me pagarem para satisfazer a minha própria curiosidade. Na minha cabeça, é uma batalha entre o medo e a curiosidade e a curiosidade ganha sempre. Às vezes, é bom. Outras vezes, como no caso do Níger, não foi tão bom.

PP: Acreditas que há algum limite na procura da verdade? Quanto mais se souber melhor?
MvZ: Acho que sim. Existe a ideia errada de que os jornalistas têm de ser objetivos, de que não podem ser subjetivos. O grande primeiro papel dos jornalistas é a procura pela verdade, mesmo que ela dê mais razão a um lado do que a outro. Não tem a ver com falta de objetividade. Tem a ver com a procura da verdade, que é o essencial e é o nosso papel máximo como jornalistas.
PP: Alguma vez sentiste que foste longe de mais nesta procura e que certas verdades eram melhor mantidas em segredo?
MvZ: Não. O meu medo é que se identifiquem as nossas fontes. Nós queremos sempre proteger as nossas fontes. Muitas vezes, elas põem a vida em risco para falar connosco. Para mim, essa parte é sempre muito importante.
PP: No programa, dás a conhecer formas de vida e práticas muito questionáveis. Mas ao mesmo tempo, há sempre um cuidado para humanizar estas pessoas e mostrar que são como nós, mas que não tiveram o mesmo privilégio e é por isso que fazem o que fazem.
MvZ: Uma das grandes aprendizagens que eu tenho, depois de mais de vinte anos a cobrir os mercados negros, é que mesmo as pessoas mais estigmatizadas e ostracizadas da nossa sociedade, os criminosos e os fora-da-lei, são pessoas como nós. Temos a tendência de ver o mundo como preto e branco, nós versus eles, o bom contra o mal. Mas a verdade é que mesmo essas pessoas são mães, pais, vizinhos, amigos, com sonhos, objetivos e aspirações.

PP: Na tua opinião, o teu trabalho, ou o jornalismo de investigação em geral, deve ser algo neutro? É possível ser algo neutro? Ou há sempre algum valor moral?
MvZ: Lá está, o nosso trabalho no jornalismo de investigação é a procura da verdade, leve essa verdade onde levar. Às vezes, essa verdade diz que um lado tem mais razão do que o outro. Talvez essa verdade leve a algo que as pessoas sintam que é partidário. Mas desde que se esteja na busca da verdade… Essa é a grande importância do trabalho do jornalismo de investigação.
PP: Para terminar, tens alguma mensagem que gostavas de deixar a jovens portugueses do presente com aspirações na área do jornalismo?
MvZ: Não vivemos numa altura fácil em termos de jornalismo à volta do mundo. Mas nunca foi tão precisa a presença de jornalistas como atualmente, especialmente jornalismo de investigação. É importante seguires os teus sonhos e a determinação é chave. Para chegar onde estou agora, a minha vida não foi fácil. Não fui aceite duas vezes na Columbia e à terceira, pus-me no avião para tentar convencer o reitor a aceitar-me. Mudei-me logo a seguir ao 11 de setembro para a Síria. Não foi um país fácil. Vivia como jornalista freelancer. A maneira de me manter lá foi a vender tapetes. Enviava tapetes para a minha mãe, que os vendia e me enviava o dinheiro. Portanto, não vai ser fácil, especialmente nesta altura. Mas vai ser compensatório e fazer-te sentir uma pessoa completa por poderes fazer o que sonhas.
Entrevista conduzida na NOVA SBE a 24 de outubro de 2024.
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