Jacqueline de Montaigne esteve nas Conferências do Estoril, onde deu a palestra Can art open the dialogue about mental health? e deixou-nos umas palavras sobre como se deve falar de saúde mental na esfera pública e o papel que a arte deve ter nesse processo.
Pedro Ribeiro (PR): Na sua palestra falou sobre como a arte pode ajudar com problemas de saúde mental. Acha que é mais benéfico para uma pessoa em dificuldades consumir algum tipo de arte ou ser ela própria a produzir?
Jacqueline de Montaigne (JM): Tem os dois lados. Existem estudos que mostram as mudanças químicas no cérebro quando as pessoas olham para a arte. Agora, com a arte urbana… é multiplicar esse efeito. Por outro lado, o ato de pintar também tem um efeito calmante nas pessoas, só que em criança somos ensinados a nunca seguir arte, [dizem-nos] que é só um hobby. Devemos é ir para as carreiras sérias. Acho que a arte podia ter um impacto muito mais positivo se fosse mais normalizada. É o ato e a visualização.
PR: Pegando no que está agora a dizer. Acha que a arte pública consegue aumentar a abertura das pessoas em relação à saúde mental, aos seus próprios problemas e se pode levar mais gente a pedir ajuda?
JM: Pessoalmente, já estive ligada a um projeto que acabou por não avançar na altura, com a câmara de Cascais, em que a base do processo eram as mensagens. A mudança não vem literalmente da pessoa olhar para a arte urbana, é mais a mensagem recebida de várias fontes. Porque a arte urbana é muito barata de produzir. A parte cara é mesmo pagar aos artistas, mas há muitos até que trabalham em projetos pro bono e dá para usar a arte urbana para ativismo, educação pública e sensibilização. Portanto funciona como uma das partes de um processo maior. Uma outra particularidade é perceber a quem nos dirigimos. Se olharmos para as taxas de suicídio a maior parte são pessoas entre os 15 e os 29 anos. 80% dos suicídios são homens novinhos. Um rapaz de 16 anos não vai ler um livro sobre saúde mental, em princípio. Já a arte urbana é uma coisa fixe, é cool, é moderna. Muitas vezes os murais ficam virais online. Isto pode ser uma forma de chegarmos a este público-alvo mais novo, fazer com que estejam mais abertos a esta mensagem.
PR: E queria perguntar, nos seus murais em específico, o que é que destaca principalmente na abordagem? Se é mais a intenção, se é o processo, as técnicas que usam, o que é que a torna especial?
JM: É uma coisa orgânica. Começo por pesquisar onde estou, os clientes, a zona… quero respeitar sempre o ambiente, a flora e a fauna. Por exemplo, costumo ir para fora, tenho passado muito tempo em África. Se eu conseguir aproveitar a “tela” que é a parede é mesmo para ajudar quem vive lá. São essas pessoas que vão ver aquilo diariamente. Agora, fazer mensagens sociais no meio de uma zona rica de Lisboa não faria sentido, a arte tem de estar adaptada ao seu contexto. Recentemente, na Guiné-Bissau, todas as pinturas que fizemos eram contra a violência doméstica. Educar as mulheres que têm saídas e educar os homens que têm de respeitar as mulheres. Fazer isso no meio da Lapa não faria sentido, mas lá fazia. Têm uma taxa altíssima de violência doméstica, incluindo muitas mortes por violência doméstica.
PR: Referir isso faz-me pensar noutra pergunta. Tal como a violência doméstica, estes temas são muitos pesados, quer seja, por exemplo, falar sobre a depressão, falar sobre o suicídio. Como é que a arte deve abordar estes temas? É de uma forma direta e seca ou com cuidado?
JM: Cor-de-rosa e fluffy? Não. Porque não são temas pink nem fluffy. Os artistas têm sempre uma escolha de como querem passar as suas mensagens e a verdade é que no princípio da minha carreira tinha cuidado nos temas que abordava, porque eram agressivos. Não tinha plataforma para ter essa liberdade. Agora posso pintar como eu quiser. É óbvio que esta abordagem tem de ser bem planeada, mas o problema é vestir tudo em cor-de-rosa. As pessoas não têm coragem de falar e abrir-se sobre estes temas. As coisas não são cor-de-rosa e isso é OK.
PR: Por fim, queria só perguntar-lhe se alguma das pessoas que ler esta entrevista tiver a ter um momento mais difícil e achar que a arte pode ser um bom recurso para si: Que dicas tem para começar?
JM: Cada pessoa tem a sua “meditação”, o seu espaço de paz. Eu sempre disse que não conseguia meditar, mas para mim foi a pintura que me trouxe a calma que precisava. Podem também ser coisas pequenas, por exemplo, até contei na palestra, uma criança apontou-me o quanto eu enrolava o meu cabelo e é verdade, enrolo muito e acalma-me. Este espaço pode ser qualquer coisa, pode ser passear cães, cozinhar ou [fazer] cerâmica (tenho um amigo lá fora que adora, os movimentos na cerâmica são muito calmantes). Claro que há outras coisas que são essenciais, como os padrões de sono. A luz do dia é algo essencial para estarmos no nosso melhor. Já para não falar das caminhadas, andar, o ato físico de nos mexermos e o contacto com o sol.
Mas voltando atrás, a arte é o que funciona para mim. Neste momento já vivo dela, embora como criança eu já soubesse que tinha talento, não era o plano, simplesmente aconteceu. Cada um tem o seu cantinho de paz, a arte é o meu.
Entrevista conduzida na NOVA SBE a 25 de Outubro de 2024.
Se tiveres interesse no trabalho da Jacqueline, consulta o seu site: https://www.jacquelinedemontaigne.com/
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