Formação Médica no Estrangeiro – Suíça

José Sandoval a apresentar a sessão Formação Médica na Suíça, dia 5 de abril de 2025 no Future MD 7.0 | Créditos de imagem: Future MD
A manhã começou cedo com uma sessão sobre consultoria e, após esta, chegou a vez de viajar mais uma vez, agora até à Suíça. José Sandoval, doutorado em Oncologia e médico nos Hospitais Universitários de Genebra, guiou-nos pelo seu percurso profissional e partilhou a sua experiência pessoal para que quem pondera fazer a Formação Médica na Suíça, um “país pequeno, conservador mas inclusivo”, o possa fazer sem se perder.
Sandoval começa com alguns factos importantes (e pouco exaustivos) para ajudar a perceber o funcionamento do sistema de saúde suíço: é o estado quem organiza os hospitais, que são na prática geridos por governos regionais. É obrigatório ter seguro de saúde privado, cujo preço é tabelado pelo governo (com um custo de cerca de 450 euros mensais), mas oferecido por seguradoras privadas. Estes seguros dão boa cobertura às pessoas, que têm acesso a todos os cuidados de saúde em hospitais públicos e a serviços ambulatórios no privado.
Para um potencial futuro médico na Suíça, importa saber que a faturação é feita ao ato médico, e que existe competição entre o sistema público e privado. Acerca das condições de trabalho, revela-nos que é ilegal trabalhar mais do que 100% do horário de trabalho, pelo que, na prática, um médico que trabalhe também no setor privado (o que parece ser difícil, uma vez que os contratos são geralmente em exclusividade) tem habitualmente um dia nessa instituição com 80% do tempo no público e 20% no privado. No entanto, há que saber que os internos não podem (nem querem, segundo o orador) ter consultório privado.
Salários confortáveis, internato flexível e autonomia e independência com supervisão. No entanto, não há, salvo exceções, um sistema centralizado de candidaturas ao internato, que é feito por CV e cartas de motivação. Este processo é demorado, sendo preciso fazer candidaturas com 1 ano e meio a 2 anos de antecedência, e com os hospitais universitários a aceitarem candidatos que apenas já tenham trabalhado 1 a 2 anos em hospitais mais pequenos. Cada pessoa pode criar o seu próprio percurso de internato, o que pode ser uma vantagem ou desvantagem, dependendo dos objetivos de cada um.
Formação Médica no Estrangeiro – Escócia
António Baptista a apresentar a sessão Formação Médica na Escócia, dia 5 de abril de 2025 no Future MD 7.0 | Créditos de imagem: Future MD
Se o tempo não muito ameno e as saudades de casa forem controláveis, é hora de partir para o próximo destino com António Baptista, médico interno de Cirurgia Geral, que nos apresenta o seu percurso de Formação Médica na Escócia, explicando de forma prática os inúmeros caminhos possíveis para exercer medicina no Reino Unido, tentando descomplicar complexos processos e burocracias.
O NHS (SNS do Reino Unido) é semelhante ao português em alguns aspetos, nomeadamente nas “(longas) filas de espera”, no “acesso aos cuidados hospitalares através do médico de família” e no facto de ser “público, universal e sem custo”. Tem, no entanto, algumas diferenças, parecendo (ou sendo mesmo) mais focado no paciente, mais defensivo, e com vasto uso de equipas multidisciplinares. Antes de fazer esta comparação, o médico e enfermeiro ressalva que nunca chegou a trabalhar em Portugal, pelo que estes pontos são mais generalistas baseados na sua experiência como utente, e menos na sua experiência profissional.
Durante a sessão, foram exploradas as várias opções de entrada na prática médica no Reino Unido, com particular ênfase nos programas de formação pós-graduada e nas vias alternativas como os contratos locais (LEDs) e a progressão através de portefólios clínicos. A questão da remuneração foi também abordada com realismo, ilustrando a progressão salarial associada aos anos de experiência, assim como o custo de vida em cidades como Dundee e Edimburgo.
Baptista não hesitou em mostrar tanto as vantagens como os desafios de uma carreira médica na Escócia: a progressão na carreira, a maior inclusão social e a empatia no ambiente de trabalho foram contrapostos às exigências de manter um portefólio no tempo livre e às inevitáveis saudades da família e amigos. No final, restou saber se valia a pena tanto esforço e burocracia, cabendo a cada espectador fazer essa reflexão.
Mesa Redonda – O Impacto do Aumento do Número de Vagas no Curso de Medicina

Vasco Cremon de Lemos, Carlos Robalo Cordeiro,António de Almeida, Mar Mateus da Costa e David Alves Berhanu (por ordem, da esquerda para a direita) na Mesa Redonda, dia 5 de abril de 2025 no Future MD 7.0 | Créditos de imagem: Future MD
Pensando em esforço, burocracia e reflexão, facilmente se adivinha o tema da mesa redonda. Uma reflexão sobre o esforço (medicina), e a burocracia (novas escolas e novas opções), traduz-se no tema que se propuseram a debater António de Almeida, Carlos Robalo Cordeiro, David Alves Berhanu e Mar Mateus da Costa. Moderado por Vasco Cremon de Lemos, O Impacto do Aumento do Número de Vagas no Curso de Medicina foi uma pergunta no meio de tantas outras feitas nesta discussão, que, não obstante terem sido, na sua maioria, relevantes, ofuscaram algumas respostas concisas e claras que foram dadas a questões certeiras e pertinentes.
À semelhança de todas as viagens desta edição do congresso, Cremon de Lemos focou-se na Europa na sua primeira pergunta, dirigida aos oradores com cargos de direção de faculdades de medicina. Carlos Robalo Cordeiro, diretor da Faculdade de Medicina de Coimbra e Presidente do Conselho das Escolas Médicas Portuguesas. começa por posicionar o ensino médico português na mesma linha dos vizinhos europeus, destacando alguns dos aspetos que considera positivos e que se têm vindo a introduzir no currículo pré-graduado, como o ensino centrado no estudante, o foco na autoaprendizagem, e o uso de novos modelos de ensino que pretendem levar os alunos a desenvolver mais competências de trabalho em equipa e de liderança.
Do outro lado da moeda, o diretor fundador da Católica Medical School António de Almeida revela que Portugal e o resto da Europa lidam com os mesmos desafios, sendo estes infraestruturas antigas mal adaptadas a um crescente número de alunos.
A conversa avança sem demoras para as tecnologias e o seu papel nestes novos métodos de ensino, e António de Almeida começa por dizer que fundos europeus foram essenciais para renovar (ou adquirir, no seu caso) os aparelhos tecnológicos das faculdades.
O tema é abordado de outra forma por David Berhanu, chairperson para a European Junior Doctors, que coloca a inteligência artificial (IA) no centro das questões que coloca e que tenta responder: “será que com o desenvolvimento da IA, o conhecimento extremamente teórico continuará a ser necessário?” e “com a IA, o que é que um futuro médico deverá aprender?” são perguntas que responde dizendo que se deve priorizar no ensino médico do futuro o desenvolvimento de competências de aplicação de conhecimento e raciocínio clínico, ao invés de memorização.
Mar Mateus da Costa, membro do Conselho Nacional do Internato Médico da Ordem dos Médicos, faz a sua primeira intervenção nesta discussão, dividindo o tema da tecnologia em dois: um que aborda o uso da tecnologia na profissão médica, e outro que aborda o uso da tecnologia enquanto estudantes de medicina. Neste último, destaca a desigualdade entre escolas médicas na matéria, referindo que existem já unidades curriculares a ensinarem maneiras éticas de usar essas novas tecnologias, enquanto outras ignoram a sua existência. Refere-se, sobretudo, à IA, usada hoje em dia por todos os alunos, nem sempre da melhor forma.
No fim, é a vez de Carlos Robalo Cordeiro intervir nesta matéria. Optando por voltar ao que foi dito inicialmente por António de Almeida, perde-se uma oportunidade de discutir a IA e o seu impacto no ensino para se falar de um biobanco digital virtual de imagens, um tema que não deixou de ser muito interessante, mas que acabou por quase cortar o fio à conversa sobre a gigante mudança tecnológica desta década.
Foi preciso António de Almeida re-intervir para acrescentar que é uma prioridade ensinar os alunos a usarem corretamente estas tecnologias, e a saberem compreender as suas limitações, dando o exemplo do Chat GPT, que muitas vezes não providencia corretamente as referências bibliográficas que supostamente utiliza para dar informações.
O debate chega a meio com a terceira e mais aguardada pergunta: o impacto do aumento do número de vagas no curso de medicina, que afeta, como aponta Vasco Cremon de Lemos, não só as turmas dos anos pré-clínicos, como os estágios hospitalares e o rácio tutor-aluno nos anos clínicos.
Mar Mateus da Costa é a primeira a responder à aguardada questão. Começa por explicitar que dentro do tema há três questões: o aumento do número de alunos em cada escola médica, o aumento do número de escolas médicas, e o aumento do número de alunos em regiões do país que ainda não tinham alunos. Pede “inteligência na forma como se gerem as vagas de forma a que não se perca qualidade na formação”, e relembra que é preciso “não pôr estudantes a fazer estágios a 50 km de distância do local de ensino sem apoios”. Argumenta também que a descentralização das escolas médicas pode “mexer com” os centros de investigação, que são, a seu ver, o core do ensino e da investigação.
David Berhanu aponta o dedo aos diferentes rácios tutor-aluno, e sugere que deviam ser as faculdades as responsáveis por fixar o número de vagas, tendo em conta a sua real capacidade de ensino. Para solucionar o suposto problema da falta de médicos, aconselha os decisores políticos a recaptar os médicos e a fixá-los no SNS, em vez de fazer aumentar o número de alunos.
António de Almeida responde de seguida à questão sobre a hipersaturação de Lisboa com a justificação de que os alunos da sua faculdade se encontram a estagiar (não só mas em grande volume) no Hospital da Luz, um hospital privado que “só recentemente ganhou dimensão suficiente para acolher alunos”.
Carlos Robalo Cordeiro acrescenta um ponto extremamente pertinente para a discussão ao admitir dificuldades em atrair docentes de carreira para o ensino dos alunos nos estágios hospitalares, comprometendo assim a qualidade do ensino e o tempo que os tutores podem passar a ensinar os alunos. Este problema, a seu ver, resolve-se com um maior financiamento das escolas médicas. Acrescenta que a descentralização das escolas médicas só pode ser uma solução quando estão reunidas condições nesses outros locais do país para receber alunos, ou seja, quando há estruturas hospitalares de dimensão suficiente para tal.
A seguinte e penúltima questão colocada por Vasco Cremon de Lemos abordou os hospitais privados. Foi levantada a hipótese de o facto dos alunos realizarem estágios nos hospitais privados pudesse influenciar a fixação de médicos nestes hospitais no futuro.
Mar Mateus da Costa decide começar com realçar a importância de navegar por diferentes hospitais durante os estágios do curso com espírito crítico, tanto nos públicos, como nos privados. Acrescenta que havendo assimetria de recursos, esta também existe dentro do próprio setor público, e reforça que todas as experiências do aluno influenciam a sua vontade de mudança e a sua visão do ensino e da profissão.
Para responder a esta questão, António de Almeida comparou os hospitais privados e públicos com casas novas e palácios antigos, respetivamente. Elucida que muitas vezes as infraestruturas novas dão a ideia de que as coisas funcionam melhor, fazendo esquecer uma das grandes vantagens de trabalhar no público: a diversidade e complexidade das patologias dos doentes. Para boas escolhas, aconselha que as pessoas se informem também sobre os tipos de carreiras que podem ter em cada tipo de local, e não se foquem apenas no exterior da questão.
Houve ainda tempo para uma última pergunta de Vasco Cremon de Lemos, não sobre alunos de medicina, mas já sobre médicos. Questionou-se como se poderão reter médicos em Portugal e como resolver o número elevado de vagas de internato médico por preencher.
Carlos Robalo Cordeiro aponta como principais soluções a melhoria das condições de trabalho e de progressão na carreira, bem como o aumento dos salários e a flexibilização contratual. Deu o exemplo de um caso que conhecia onde os médicos preferiram prestar serviços do que ter contratos com mais condições, e extrapolou que estas situações são mais comuns do que se pensa. António de Almeida acrescentou a este raciocínio que é necessário melhorar as perspectivas da formação especializada para que esta se torne mais atrativa.
Mar Mateus da Costa optou por refletir sobre o facto da autonomia ser atualmente dada mais cedo aos médicos, sem que seja necessário terminar uma especialidade, o que torna mais simples a prestação de serviços enquanto médico não especialista. Explica que, na sua ótica, os jovens médicos procuram flexibilidade, e que essa necessidade faz com que seja preciso tornar as carreiras mais flexíveis e, assim, mais atrativas. “As pessoas agora preferem mais flexibilidade e só escolher a especialidade que querem. Preferem esperar se ainda não conseguiram entrar no que querem, em vez de fazer uma especialidade só porque sim”.
David Berhanu encerra a discussão respondendo a uma pergunta que o próprio faz: “o que leva as pessoas a escolher um hospital?” Conta-nos que para ele são vários os fatores: más ou boas experiências nos estágios; perceções subjetivas sobre se estão a ser prestados bons cuidados de saúde; diferenças geracionais, como a maior valorização do desenvolvimento pessoal e da capacidade de conciliar a vida profissional com a vida pessoal; e ainda a possibilidade de escolher um local de trabalho que permita fazer formação, investigação e ainda pedagogia dentro do horário laboral. Estes fatores mostram-se cruciais na escolha das vagas, um processo extremamente complexo.
Absortos por estes temas tão próximos e marcantes, a audiência levanta-se para a mais comprida pausa do dia: o almoço nos restaurantes pré-selecionados pelos participantes.
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