Estar no domingo de manhã na faculdade só é exequível quando há um bom motivo. Este ano, foi no último dia de congresso que os participantes se dividiram em seis para assistir às especialidades que mais lhes interessavam. A FRONTAL frequentou os dois últimos blocos. Este artigo explora o bloco F, denominado “Primeiro Estranha-se, Depois Entranha-se”.
Bloco F
Ginecologia/Obstetrícia
Irina Ramilo a apresentar Ginecologia e Obstetrícia, dia 6 de abril de 2025 no Future MD 7.0 | Créditos de imagem: Future MD
A primeira especialidade, Ginecologia / Obstetrícia, foi apresentada por Irina Ramilo, ou a Ginecologista da Minha Melhor Amiga no Instagram. Esta especialidade é médico-cirúrgica, e dedica-se à saúde da mulher, com foco na doença do sistema reprodutor feminino, bem como no acompanhamento da mulher na gravidez e pós-parto.
Irina Ramilo começa por contar as vantagens da sua profissão, que tem elevada diversidade de atuação, ao englobar muitas patologias e faixas etárias, e que permite um longo relacionamento com as doentes, causando grande impacto nas suas vidas e nas das suas famílias. Recorda-nos que esta área lida tanto com a vida e com “dar vida”, como com a morte.
A Ginecologia e Obstetrícia é uma especialidade em crescimento, crescimento este que ocorre pelo aumento da consciencialização para a necessidade de estudar a saúde no feminino, e também pelo inerente envelhecimento da população, que cada vez vive mais e com mais patologias. Estas características provam-se fatores a favor desta área, que, para Ramilo e os seus colegas satisfeitos com a profissão, pesam mais quando comparados com as desvantagens que a médica aponta, nomeadamente a carga de trabalho, que pode ser intensa e irregular, as emoções intensas e situações críticas que enfrenta na sua prática clínica, e ainda o alto custo e responsabilidade legal do seu trabalho na área da Obstetrícia. A estas, junta ainda a necessidade de alta capacitação e atualização constante, uma grande pressão social e expectativas elevadas, referindo-se à ideia do “parto perfeito” que muitas grávidas têm e, ainda, o longo período de formação que precisa de ter, começando pelos 6 anos de internato.
No programa de formação em Ginecologia e Obstetrícia, Irina Ramilo dedicou muito tempo da sua apresentação a enfatizar as vantagens de fazer parte da formação fora do país. No seu caso, a sua ida no 5º ano do internato para Clermont-Ferrand, em França, foi significativamente uma mais valia na sua formação em cirurgia endoscópica.
Após a conclusão do internato, os especialistas podem ainda adquirir 3 tipos de subespecializações: Ginecologia Oncológica, Medicina Materno-Fetal e Medicina de Reprodução.
Em termos de satisfação global do internato, Irina Ramilo conta que segundo o inquérito de satisfação do internato médico, a maioria dos médicos internos está globalmente satisfeita com o internato, e apesar de reconhecerem a necessidade de melhorar algumas áreas, como a falta de apoio financeiro e logístico para atividades científicas e formativas, e ausência de tempo para estudo autónomo, voltariam a escolher a mesma especialidade.
Por fim, houve ainda tempo para comparar a realidade do trabalho no público e no privado. No primeiro, aponta como vantagem a grande variedade de patologias, a estabilidade em termos contratuais, e a possibilidade de participar no ensino académico. No segundo, destaca as condições de trabalho mais atrativas, a remuneração e a possibilidade de ter horários mais flexíveis.
Patologia Clínica
A manhã não fez pausa para café sem antes introduzir a primeira e única especialidade do bloco que não implica dias passados no seu homónimo: Patologia Clínica, uma especialidade médica de diagnóstico. Sónia Faria, interna do 3º ano desta área que se dedica a “intervir com os clínicos no diagnóstico, terapêutica e prevenção de doenças humanas”, começa por enumerar as suas funções: desde orientar pedidos de exames laboratoriais a organizar e gerir um serviço, um patologista faz um pouco de tudo: assegura a qualidade dos resultados de cada avaliação de parâmetros laboratoriais que e interpreta, e colabora na abordagem terapêutica dos diagnósticos que desvenda.
Para se tornar especialista, Sónia Faria e todos os seus colegas precisam de se formar em 5 áreas principais: Química Clínica, Hematologia, Microbiologia, Imunologia e Citogenética, Genética Bioquímica e Molecular (a última abrangendo os três temas mencionados em conjunto). Estas áreas podem ser adquiridas em forma de modelo de estágios por bloco ou de forma integrada“, e após serem aprendidas e avaliadas de três formas diferentes no final do internato (avaliação curricular, teórica e prática), permitem o grau de especialista numa área que tem como vantagem e desvantagem a sua abrangência.
De facto, a interna enumera os pontos fortes da sua área: permite o contacto com quase todas as áreas do hospital, permite tempo para formação e investigação, bem como para a vida familiar, e permite diferenciação em áreas específicas e mesmo subespecialização em Microbiologia Médica. O pouco contacto com o doente está incluído nesta lista, mas também na dos pontos fracos. A este junta-se a dificuldade em obter equivalência à especialidade no estrangeiro e à pouca oferta no privado.
E como não poderia faltar, falou-se do futuro e do papel da inteligência artificial na área, que deve auxiliar no avançar da medicina de precisão e de biomarcadores, no combate à resistência antimicrobiana e ainda na expansão do diagnóstico remoto através de point-of-care. Faltou apenas saber se se espera que o número de médicos necessários vá a diminuir, havendo apenas a nota de que, com a reforma que se avizinha de vários colegas, se esperam muitas oportunidades de trabalho num futuro próximo. Quanto ao futuro mais longínquo, resta-nos aguardar.
Gastrenterologia
Joana Revés a apresentar a especialidade de Gastroenterologia, dia 6 de abril de 2025 no Future MD 7.0 | Créditos de imagem: Future MD
No futuro quase imediato e após uma pausa, seguiu-se a especialidade de Gastrenterologia, introduzida por Joana Revés, médica no Hospital Beatriz Ângelo.
Esta especialidade médico-cirúrgica apresenta múltiplas valências, sendo algumas: gastrenterologia geral, doença inflamatória intestinal, hepatologia, pâncreas e vias biliares, proctologia e ainda endoscopia avançada e terapêutica, entre outras. No futuro da especialidade, Joana Revés vê as abordagens minimamente invasivas, capazes de resseções endoscópicas de lesões displásicas e neoplasias precoces, bem como de técnicas endoscópicas de medicina paliativa, como é o caso da gastrojejunostomia endoscópica.
Voltando ao presente, Joana Revés mostra-nos o programa de formação da especialidade, que dura 5 anos e inclui estágios em Medicina Interna, Medicina Intensiva e até Anatomia Patológica e Imagiologia. Mostra alguns números a atingir em determinados procedimentos, que os mais interessados poderão consultar nos slides disponibilizado, e partilha uma semana-tipo do internato, mostrando a grande diversidade de atividades que tem de fazer durante um dia de trabalho.
Por fim, a médica dá algumas informações e conselhos: conta que é possível fazer estágios no estrangeuro durante 6 meses, o que pode ter apoio financeiro através de bolsas de estágios, e dá ênfase à produção científica, muito valorizada na sua área. Deixa ainda alguns conselhos para a audiência: “escolham uma especialidade que gostem” e ”conheçam a vossa personalidade”. Trata-se de uma especialidade com com muito multitasking, com crescente oferta privada, e que oferece diversas áreas de formação.
Cirurgia Geral
Marta Moradias conta-nos de forma sucinta e sistematizada a sua especialidade – Cirurgia Geral. É uma especialidade cirúrgica (passando a redundância), com muito trabalho de equipa e patologia muito diferenciada – gastrointestinal, endócrina, obesidade, entre outros. Realça também que, à luz de técnicas minimamente invasivas, esta área tem sofrido uma grande evolução.
Uma semana-tipo compreende bloco operatório, com cirurgia de ambulatório e eletiva, consulta (1 tarde de consulta por semana), enfermaria e urgência, externa 24h por semana e interna 1 a 2 vezes por mês. Esta última vertente é muito importante ponderar, pois pode ser muito cansativo, confessa-nos a interna. De facto, algumas das desvantagens que aponta prendem-se mesmo com a urgência noturna e ao fim de semana e as longas horas de trabalho, que superam as 40h / semana. Também a diminuição dos tempos de anestesia, poucos apoios nas formações e cursos, e cada vez mais internos podem ser fatores que pesam negativamente nesta balança.
O novo programa para o internato, atualizado em 2024, compreende 6 anos de formação, com 12 meses opcionais e a possibilidade de fazer estágios no estrangeiro. É necessário fazer estágio de trauma, apresentar trabalhos e publicar artigos. Em termos de avaliação, há exames anuais, com relatório, perguntas teóricas e um caso clínico. Sem demoras ou perguntas, foi a vez da mais especialidade mais aguardada da manhã.
Cirurgia Pediátrica
Ana Magalhães a apresentar a especialidade de Cirurgia Pediátrica, dia 6 de abril de 2025 no Future MD 7.0 | Créditos de imagem: Future MD
De facto, a escolha de apresentar no fim a especialidade que mais perguntas do público teve foi acertada, e a audiência manteve-se até ao fim para conhecer a Cirurgia Pediátrica, apresentada por Ana Magalhães, médica interna da especialidade na ULS de Santa Maria.
A frase “neste serviço não temos operadores, só temos médicos que sabem operar”, escrita no primeiro slide da sua apresentação, é o mote para perceber esta área da medicina, que trata a criança da cabeça aos pés, nas suas várias fases da vida, desde a nascença à adolescência. Os doentes pediátricos são a grande vantagem desta especialidade para Ana Magalhães, que aponta fatores como “rápida recuperação”, “resiliência” e “alegria” como fortes pontos positivos. A estes, junta o facto de ter tarefas práticas, patologias diferenciadas e procedimentos altamente diferenciados, bem como a ausência de atividade rotineira. No lado mais negativo da balança, coloca as complicações e perdas como o que mais lhe custa. Também a comunicação com os pais e os doentes se mostra um desafio, bem como a remuneração, tratando-se de uma especialidade que “não é bem paga em lado nenhum”.
O Programa de Formação de Cirurgia Pediátrica, que pode ser consultado neste link, foi abordado de forma compreensiva e pertinente, tendo sido enumerados todos os hospitais com idoneidade formativa, ressalvando-se de que se tratam de hospitais centrais, o que poderá ser uma desvantagem para os que desejem fazer o internato noutras localidades. Para os que desejem uma experiência além fronteiras, Ana Magalhães traz boas notícias: os estágios no estrangeiro são muito incentivados e valorizados, e contam com alguns apoios.
Apresentou-nos de seguida um horário-tipo, infelizmente irrealista e rapidamente substituído por um verdadeiro, muito mais preenchido do que o teoricamente pedido aos internos. Os interessados nesta especialidade devem também saber que, para além do horário cheio, poderão contar com atividade privada, mais abundante na capital, mas datada de menor complexidade face à atividade desenvolvida no SNS. No futuro, a interna vê mais sub-especializações em diferentes áreas, bem como uso crescente de técnicas laparoscópicas e robóticas, ainda não muito usadas na realidade atual.
No fim, deixa alguns conselhos aos mais curiosos e responde a algumas das dúvidas mais perguntadas: sugere uma boa gestão de expectativas, aconselha a que se tenha mesmo uma 2ª opção sólida, visto tratar-se de uma especialidade com muito poucas vagas, e, à semelhança de outras especialidades, sugere que visitemos o serviço antes de ir para lá, para que possamos tomar uma decisão mais informada.
E assim terminou mais uma edição do Future MD, marcada por palestras pertinentes, bem organizadas e em moldes otimizados face à edição anterior.
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