Redefining Health With Nutrition, surgiu assim a premissa da nova edição da N2S Conference, uma conferência que em anos anteriores já nos tinha habituado a uma boa dose de criatividade e ousadia e que, este ano, nada deixou a desejar.
À semelhança do ocorrido em anos anteriores, os Workshops deram início à conferência, mostrando a importância de colocar as “mãos na massa”. Assim, no dia 7 de novembro, a NOVA Medical School foi casa de doze inovadores workshops, em que o leque de temas abordados não desapontou, navegando-se pela Nutrição no Desporto (que esteve em destaque nesta edição da conferência), Pediatria, Nutrição na Oncologia, passando ainda por temas mais arrojados no ramo da nutrição tais como a Dermatologia.
Uma das coisas que mais admiro no que toca aos workshops organizados pela N2S Conference é a preocupação com a agregação de conteúdo: mesmo que o assunto abordado seja familiar, encontra-se sempre inovação, seja naquilo que é transmitido, seja na forma como a informação é passada.
Nos três dias seguintes seguiram-se as mesas redondas, as sessões plenárias, as keynotes e o Q&A, sessões cheias de conhecimento, conhecimento esse que transbordou, o que se refletiu no grande número de questões levantadas pelos participantes em cada uma delas.
No dia 8 de novembro, o primeiro dia de palestras, foram abordados dois temas igualmente pertinentes: o impacto da alimentação na fertilidade e na conceção e a relação da nutrição com o envelhecimento.
Considerei curioso o facto de, propositadamente ou não, os temas abordados serem tão díspares, mas simultaneamente tão próximos um do outro: da preconceção ao envelhecimento, do início ao fim da vida.
Acho engraçado como a nutrição pode contribuir para a criação de vida, acelerando o processo de conceção e, ao mesmo tempo, retardar a progressão da mesma. Como num casamento saudável a nutrição está sempre lá: na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, do nascimento ao envelhecimento até que a morte dela nos separe.
Apesar de não ter podido testemunhar estas duas palestras, pude perceber pelo feedback de alguns dos participantes com que conversei posteriormente, que estas se trataram de palestras enriquecedoras, não obstante os temas retratados serem também parte do plano curricular das aulas da Licenciatura em Ciências da Nutrição.
No segundo dia, as palavras que reinaram, surpreendentemente foram ovo e galinha e a questão predominante, como se poderia esperar foi “o que é que vem primeiro”?
Assim foi na primeira palestra denominada de “The Relationship between the gut microbiota and allergic reactions”, em que se abordou com primazia o tema da disbiose e se colocou a pergunta “O que vem primeiro, a disbiose ou a doença?”.
Bem, não tão cedo saberei a resposta a esta questão, mas sei que esta foi uma sessão cheia de questões por responder, mas de ainda mais questões respondidas. Falou-se da colonização primária do intestino, que acontece principalmente por via da mãe através da gravidez, do parto e da amamentação ou, por exemplo, de o leite ser um simbiótico natural, tudo coisas que um licenciado em Ciências da Nutrição tendencialmente já saberá, mas que serviram de ponto de partida para várias questões sem resposta que, a meu ver são as mais importantes para a evolução.
Da microbiota passou-se à indústria alimentar, como quem passa da água para o vinho, e falou-se dos desafios atuais da indústria na promoção de uma alimentação saudável.
Numa sessão conduzida pelo exímio Dr. Pedro Queiroz, em que se abordaram temas inerentes às políticas e tendências alimentares, falou-se do eurocentrismo pouco discreto por que se regem as políticas (e não só) no ocidente, de como as guerras alteraram os circuitos alimentares a nível global e ainda das catástrofes climáticas que temos testemunhado e consequente alteração da oferta e do consumo de alimentos. Muitas destas questões parecem algo distantes da prática clínica, como se fossem questões que não nos pertencessem, mas a verdade é que quando se fala do puzzle da nutrição, a indústria é uma de várias peças chave com que nos devemos preocupar diariamente.
Vivemos num mundo desequilibrado, em que, em certos lugares a procura é maior que a oferta e em outros a oferta é tão grande que não existem pessoas suficientes para dela usufruir. A propósito disto, o orador disse duas frases que me colocaram a pensar: “Quem tem fome tem um problema. Quem não tem fome tem vários problemas.”.
A indústria não pode ser estática, o eurocentrismo tem de ser abandonado e é importante preservar as raízes culturais das pessoas: foram algumas das ideias-chave com que fiquei desta palestra. Vivemos em tempos em que as pessoas sofrem com uma espécie de “Eco ansiedade”, em que a procura pela sustentabilidade é prioritária e em que estamos a caminhar para uma digitalização da indústria. É importante não estagnar, mas é principalmente importante não deixar ninguém para trás, encontrar uma política nutricional coerente e concisa a nível europeu e apostar na praticidade, abandonando o experimentalismo académico.
Ainda assim, fiquei a saber através da palestra realizada pela Dr.ª Maria Toronjo Guerreiro, que os portugueses procuram cada vez mais pratos globais com produtos locais, facto que achei interessantíssimo: é como se procurassem o mundo sem abandonar as suas raízes.
Ainda no terceiro dia da conferência, tive a oportunidade de assistir a uma palestra sobre a relação entre a nutrição e as doenças da tiroide em que foram desmistificados mitos e em que se deu enfase à importância do bem-estar mental, à conexão com o outro e connosco próprios para o bem-estar físico, questões que muitas vezes nos escapam quando fazemos a anamnese dos doentes. Quem diria que a fé (no que quer que seja) pode fazer bem ao sistema imunitário?
Na sessão seguinte, continuou-se a desmistificar mitos, desta fez relacionados às dietas no doente oncológico. Quando confrontados com uma doença oncológica muitas vezes os doentes sentem a necessidade de se “agarrar a algo” que possam controlar e entre fatores como a medicação ou os exames, a alimentação é dos poucos aspetos que pode ser alvo do seu controlo.
Quando se pesquisa sobre cancro e dieta muito se encontra sobre formas de o prevenir, mas pouco se encontra sobre padrões alimentares a adotar quando a doença já está instalada. Esta sessão foi extremamente útil no que diz respeito a formas de informar a capacitar o doente oncológico a tomar as melhores decisões. Dietas alcalinas, Cetogénicas, Restrições Calóricas e Jejuns, para que vos queremos?
O último dia da palestra, dia 10 de novembro, foi iniciado com uma keynote relacionada a atualizações de guidelines de ordem alimentar. O que mais me surpreendeu nesta sessão foi perceber a dimensão do impacto da política no estabelecimento das guidelines, como disse e muito bem a oradora “Guidelines are highly political!”. Foi também importante (re)descobrir que nos países africanos não há guidelines e retomar uma das ideias de um dos oradores do dia anterior “vivemos num mundo desequilibrado”.
Na palestra seguinte foi resgatado o tema da microbiota, mas desta vez foi discutido o facto de o stress estar relacionado ao funcionamento intestinal. Voltou-se à questão do ovo e da galinha, mas, desta vez, reformulada: “Gerir a doença intestinal ou ser gerido por ela?”.
No resto do dia, tive o privilégio de ouvir falar sobre o impacto das hormonas na obesidade, tema muitas vezes referido, mas sempre oportuno, principalmente tendo em conta a sua expressão e o estigma a que está associado. Falou-se do potencial benefício do uso de fármacos no tratamento da obesidade e da necessidade da comparticipação dos mesmos. Se a obesidade é uma doença crónica, porque não tratá-la como tal? Atuando na fisiopatologia da doença as pessoas tornam-se mais permeáveis à mudança comportamental.
Ainda no último dia houve lugar para um Q&A sobre a transição para um padrão alimentar vegetariano, em que foram colocadas cerca de 30 questões das quais apenas três foram respondidas. Assim sendo, acho que não preciso de dizer mais nada acerca da relevância e profundidade do tema aludido e da forma cativante como, tanto o orador, como o moderador, conduziram a sessão.
Finalmente, foi abordado um tema que muito suscitava a minha curiosidade “A Inteligência Artificial na Nutrição”. Embora eu apresente alguma resistência à ideia do uso inteligência artificial na abordagem a doentes, principalmente por todos os desafios éticos que se levantam quando dela falamos (e que foram abordados na palestra) tais como, a possível invasão de privacidade dos doentes, os vieses nos resultados e a ausência de responsabilização pela conclusões tiradas, a verdade é que estamos num mundo em mudança e que, mais cedo ou mais tarde, a Inteligência Artificial vai ser uma realidade com a qual será impossível não nos depararmos. Rendermo-nos a ela seria o caminho mais fácil, mas eu ainda acredito no equilíbrio, na negociação, na harmonia. Tenho fé! A verdade é que, e tal como foi lembrado pelo orador, antigamente eram pessoas que faziam o trabalho dos computadores, algo que para nós hoje é quase impensável.
Posto isto, muito se poderia dizer sobre esta edição da N2S Conference que indubitavelmente redefiniu não só a saúde com a nutrição, mas também a ideia do que é um congresso feito por estudantes. Esta edição foi inovadora, não só pela adição de um concurso alusivo à alimentação coletiva e gestão, o N2Strive, a criação do N2Sunset proporcionando mais um momento de convívio, ou do N2Spin mostrando a preocupação da organização com causas sociais, mas, principalmente pela escolha e articulação dos temas abordados – temas velhos que se mostram novos, e novos que se revelam familiares, entre a Nutrição Clínica e a Industria, a Pediatria e a Geriatria, a palavra de ordem foi sempre a mesma – Excelência!
Deixe um comentário