“Future MD 2023: Cobertura”

Por Hélio Pires e Matilde Marques

Sessões Plenárias – Dia 6 de Maio de 2023

São 9:30 h da manhã de sábado, dia 6 de maio, no Grande Auditório do ISCTE, quando se dá início à sessão de abertura do 5º Future MD. Este congresso, realizado por alunos da Nova Medical School, procura colocar os estudantes de Medicina frente a frente com o seu futuro. Embora a sessão de abertura se tenha realizado dia 6, o Future MD começou no dia anterior, no edifício da Nova Medical School, onde os participantes tiveram a oportunidade de contactar com médicos de diversas especialidades através das sessões paralelas.

Diogo Cardadeiro – Vou repetir a PNA, e agora?

Diogo Cardadeiro diz que pretende com esta sessão plenária deixar 3 mensagens principais: 

1- “Relaxar. Repetir a PNA não é um bicho de 7 cabeças.”

2-”Todos nós vamos ter imenso tempo para ponderar se realmente queremos repetir a PNA ou não.”

3-” Repetir a PNA pode ser uma oportunidade.”

Como lidar com a nota? Diogo Cardadeiro refere que algo que o ajudou imenso foi tirar férias e relaxar após o exame. “Pensar sobre se vou ou não repetir? Temos tempo para isso depois.”.

Deixa claro que repetir a PNA é uma decisão que acarreta inúmeros sacrifícios e que exige compromisso. Temos que ser sensatos e pensar se efetivamente é o que queremos fazer. Com isto, realça que tirar tempo para ponderar outras especialidades também pode ser importante. 

Como estudar para o exame outra vez? Não há uma receita. Mas temos que pensar sobre o que falhou: quais foram as perguntas que não fizemos, por exemplo.

E relativamente ao ano comum? Devo fazê-lo? Devo conciliar com o estudo? Deve rescindir? Diogo, no seu caso, conciliou com o estudo, mas diz que temos que nos conhecer a nós mesmos. Se o que falhou foi o tempo de estudo, talvez a decisão mais acertada seja rescindir. No entanto, não é necessariamente preciso rescindir para repetir o exame.

Qual a sensação de repetir a PNA?  “A primeira vez que chegamos ao exame ficamos mesmo nervosos. A segunda vez tive o sentimento de tranquilidade. Já sei como isto é, já sei como são os procedimentos, as regras, os “timings”. Sentimos-nos muito mais “em casa”.”

Diogo Cardadeiro acaba por explicar porque é que vê a repetição da PNA como uma oportunidade. Refere que, como tarefeiro, está a ganhar imensa experiência. Embora os seus colegas estejam todos no primeiro ano de internato, diz que a maioria não têm a independência nem tem que fazer as decisões que ele faz no hospital como tarefeiro:  “Sinto que vou chegar ao primeiro ano de internato de certa forma mais maduro. Em termos económicos, é também um ano que dá para poupar imenso dinheiro, ganha-se mais do que um interno de 1º ano. Além disso, é possível gerir melhor o horário e há tempo para pensar no que realmente queremos fazer na nossa vida.”

Dra. Emily Gonzalez- Posso mudar de especialidade?

A Dra Emily Gonzalez nasceu em Cuba, mas cresceu em Portugal. Desde criança sente-se atraída pela medicina. Por não conseguir a nota necessária, ingressa no curso de Enfermagem e forma-se. Após trabalhar 1 ano como enfermeira, sentia que o sonho pela Medicina persistia. Acaba por entrar na Faculdade de Medicina de Lisboa em 2012 e forma-se em 2018. Escolhe a especialidade de medicina interna, no centro hospitalar de Setúbal, embora o seu sonho tenha sido sempre uma especialidade cirúrgica. É na metade do 2º ano de internato que sente que não estava no sítio certo: “estava na carruagem errada, embora no comboio certo”. Sentia que queria uma especialidade cirúrgica e, portanto, repete a PNA, mesmo com as limitações de trabalho em Medicina Interna, como as 40 horas semanais e trabalhos académicos exigidos pela especialidade. No entanto, refere que o facto de ter estado 2 anos em Medicina Interna facilitou a sua preparação para a prova, apesar de ainda existirem uma panóplia de especialidades que já não se lembrava, “cerca de 50% da prova” . Consegue entrar em Ginecologia e Obstetrícia e, atualmente, no 1º ano desta especialidade na Maternidade Alfredo da Costa, sente-se realizada.

Após contar a sua história pessoal, a Dra Emily Gonzalez apresenta o artigo nº 27 do decreto-lei nº13-2018, que refere que os médicos internos a frequentar a formação especializada devem proceder à desvinculação contratual até 31 de maio do ano que pretendam apresentar candidatura a novo procedimento concursal de ingresso no internato médico. Excetuam-se do disposto deste número anterior os médicos internos que se encontrem a frequentar a primeira metade do programa formativo respectivo, concorrendo a 5% das vagas postas a concurso. Explica ainda que médicos que já tenham terminado um internato completo podem apenas repetir uma vez a PNA, enquanto os outros médicos têm até 2 escolhas. Em suma, passa a mensagem que nos devemos informar sobre todas estas leis complexas antes de tomarmos a escolha de mudar de especialidade. Deixa ainda o conselho de, antes de escolher uma especialidade, percebermos sobre como está estruturada, como por exemplo quanto tempo estamos em cada estágio ou quantos são os números cirúrgicos.

Dr. Marios Chaintoutis- Médico não especialista

Dr. Marios Chaintoutis é um médico grego que estudou medicina na antiga Jugoslávia. É em Portugal que começa a tirar a especialidade em Anatomia Patológica. No último ano do internato desiste e decide trabalhar como médico indiferenciado por não gostar da especialidade: “A vida tem imprevistos, vão se deparar com eles. Nunca quis ser o que sou neste momento”, refere. Começa a trabalhar em centros de saúde, prisões, com doentes particulares e em domicílio. Atualmente, refere trabalhar maioritariamente em urgência. Trabalha 5 dias por semana, em turnos de 8, 12 ou 16 horas. No total, faz cerca de 170 a 180 horas por mês no Hospital Francisco Xavier. Diz que o principal problema deste tipo de trabalho é a flexibilidade de horários, porque varia consoante a necessidade do estabelecimento de saúde em questão. É um trabalho que acarreta um cansaço não físico, mas antes mental. Traz precariedade e instabilidade: ”Hoje és preciso, mas amanhã já não és”. Explica que nem toda a gente está talhada para trabalhar sempre em serviço de urgência:” agitação, falta de vontade de ir trabalhar e mesmo o “burnout” são comuns neste tipo de carreira” .

Em termos remuneratórios, diz que os valores variam, mas que na urgência ganha quase tanto como um médico especialista. Menciona que não ganha mal, mas que nunca vai ficar rico : “se a vossa ambição na medicina é financeira, não devem seguir este caminho”. Contudo, aponta ainda que na generalidade são poucas as carreiras médicas que conferem estabilidade.

Quando questionado pelo público se sente realizado com a sua decisão, responde que está contente, que não está em negação. Diz sentir-se realizado porque trabalha com coração.

Termina a sessão referindo que, caso a especialidade de agudos seja criada, os médicos não especialistas vão ser imensamente desvalorizados.

Dr Jorge Caria- Soft Skills: Liderança em saúde

Após uma breve introdução pelo presidente executivo da Nowace, júnior empresa da Nova Medical School, começa uma nova sessão plenária.

Jorge Caria é Diretor Médico da Novo Nordisk Portugal e trabalha na Indústria farmacêutica há 15 anos. Em 1998 entra em medicina, em 2006 começa o internato de Neurorradiologia, embora não o tenha acabado. Em 2008 é manager na Sanofi. Em 2011, teve a primeira experiência de liderança de equipa na Boehringer Ingelheim, Portugal. Em 2013, começa na Alemanha como global medical advisor.

Como diretor médico, diz que tem como função assegurar o uso seguro de medicamentos e dispositivos médicos, contribuir para decisões estratégicas da empresa, colaboração e parcerias externas. Refere que as suas bases clínicas são essenciais para decisões importantes da empresa, que têm impacto na vida de milhares de doentes.

Durante a sessão, mencionou várias vezes que o melhor caminho para sermos líderes na saúde é sermos relevantes. Salienta a diferença entre chefe e um líder : “As pessoas não querem ter ordens, as pessoas querem alguém que lhes dê visões e as oriente” . Salienta também a liderança formal VS a liderança informal. A formal implica uma autoridade de acordo com a hierarquia. A informal é uma pessoa que sem autoridade formal consegue influenciar pessoas e comportamentos.  Explica que um líder tem que ser :1-visionário, 2-arquiteto, 3-treinador e 4-catalizador. Para isto, são necessárias as correspondentes soft skills: 1-criatividade, 2-decisor, 3-empatia, 4-comunicador. 

Perto do final da sessão, toca no ponto do momento, o  “ChatGPT”. Salienta que a inteligência artificial não vai substituir os médicos, mas que os médicos que não a usarem vão ser substituídos.Termina com algumas considerações finais: “mantenham-se curiosos e humildes, aproveitem os anos do curso para conversar com doentes, cuidadores e profissionais de saúde”.

Após o almoço e um pequeno convívio entre todos os participantes, começam as sessões plenárias da parte da tarde.

Dra. Maria Soares- Burnout, testemunho na 1ªpessoa

A Dra. Maria Soares começa por explicar o burnout, considerando-o um “estado de exaustão física, emocional e mental causado pelo envolvimento, por longo tempo, em situações emocionalmente desgastantes”.  Sabemos que existe uma elevada prevalência deste síndrome nas escolas médicas, isto deve-se a vários fatores, entre eles : solidão, mudanças de espaço de estágio, competitividade de alto nível, carga horária, objetivos concretizados a longo prazo. Estes fatores, aliados à tendência para ansiedade e perfeccionismo, traços típicos de um estudante de medicina, agravam ainda mais este problema. Devemos sensibilizar os estudantes para que consigam detetá-lo precocemente nos seus pares e serem agentes promotores de autocuidados para si e para os seus colegas, como estudantes  e como médicos.

Através da sua própria experiência, explica o processo do burnout. Refere que, durante os primeiros anos da faculdade, não tinha “hobbies” e monopolizava todo o seu tempo e validação pessoal no estudo. Segundo a mesma, isto é perigoso: quando tirava notas menos boas, ficava sem confiança em si mesma. Ao longo dos primeiros anos, esta exaustão e falta de confiança culminaram num episódio de burnout. Surgiram progressivamente sinais como insónias, choro recorrente, estado de irritabilidade extrema e pensamentos intrusivos e depressivos. O facto de ter ficado para trás dos seus colegas por ter chumbado o ano agravou este estado de autodesvalorização extrema: “Nunca vou chegar aqui. Nunca vou fazer isto “. Teve a coragem de procurar ajuda psicológica no gabinete de apoio ao estudante no ICBAS e foi encaminhada para a consulta de psiquiatria. Com a ajuda psicoterapêutica (“processo moroso que durou 3 anos”) e farmacológica conseguiu superar esta síndrome. Refere que, inicialmente, só existia um “eu” dela, o “eu académico”. Passado alguns anos, conseguiu arranjar um “eu artístico”, em clubes de leitura e escrita, e um “eu social”, através de um círculo de amigos extra-medicina. Realça então a importância de termos uma vida social e uma vida extra-faculdade conjugada com o estudo. “Sou uma pessoa que está a fazer o curso de medicina. O meu sucesso como pessoa não é definido pelas notas”, refere. Durante a sua preparação para a PNA, diz ter feito um estudo saudável, embora intenso, e conseguiu tirar boa nota na prova.

Dr. Vitor Almeida- Medicina de Urgência: Uma nova especialidade?

Vítor Manuel Lopes Fernandes Almeida, presidente do colégio da competência em emergência médica, começa por referir que a medicina de urgência é das especialidades mais escolhidas no estrangeiro. Existe na maioria dos países europeus (fora Portugal, Chipre e Áustria) e é uma especialidade com 5 anos no currículo europeu. A OMS recomenda que todos os países implementem esta especialidade, de modo a que os serviços de urgência parem de ter grande parte da sua força laboral em médicos sem qualquer especialização. Conta a história desta especialidade em Portugal, que é desejada há mais de 2 décadas. Embora a proposta para a abertura desta especialidade tenha sido chumbada a 12 de dezembro, a votação não representou de forma importante a assembleia: apenas um terço do número total de representantes votou contra e apenas esteve presente metade da totalidade dos colegas da AR. Apesar de essencial, Vitor Almeida deixa claro que a existência desta especialidade não vai resolver todos os problemas do SNS, mas que é uma parte essencial: é uma das poucas medidas que está nas mãos dos médicos e não nas mãos do poder político. “O SU é visto como um castigo hoje em dia. Médicos com mais de 55 anos não têm que fazer este tipo de trabalho precisamente porque é visto como precário. Precisamos de mudar este paradigma”.

Realça também a desvalorização da área VMER, nomeadamente a nível financeiro. Existem 44 VMER em todo o país e ,por lei, a VMER é uma extensão do serviço de urgência e pertencente aos hospitais. Termina a sessão respondendo a algumas perguntas sobre como seria estruturada a especialidade e os seus critérios de admissão, realçando que seria necessário definir uma fase de transição para especialistas que já exercem no S.U.

Sessões plenárias e mesa redonda- dia 7 de maio de 2023

Internato de Formação Geral: Hospital Central VS Periférico

Na primeira sessão de domingo, foi-nos dada a conhecer a perspetiva da Dra. Inês Carvalho e do Dr. Tiago Avelino Cardoso no que diz respeito às diferenças e semelhanças entre realizar o Internato de Formação Geral (IFG) num Hospital Central e num Periférico, respetivamente.

Esta etapa, essencial para o ganho de autonomia de um recém-formado médico, tem a duração de 12 meses, e contém 4 componentes: Cirurgia Geral, Cuidados de Saúde Primários (com Medicina Geral e Familiar (MGF) e Saúde Pública), Pediatria e Medicina Interna. A ordem pela qual são realizados depende, na experiência de ambos, da média ponderada do curso, a partir da qual é feita uma lista dos vários internos, que podem então escolher não só os locais, mas também a ordem dos estágios.

As razões de escolha do local a realizar o IFG foi a primeira questão a ser abordada nesta conversa informal entre a Dra. Inês e o Dr. Tiago, com a moderação da Carlota Pedro, membro da Comissão Organizadora. O Dr. Tiago, que cresceu em Viseu e estudou no ICBAS, optou por escolher o Hospital de Santarém pela perceção da cidade ser um misto de “urbanização com meio rural”, ao qual estaria mais confortável por ser um ambiente “mais calmo”. Revelou-nos também o seu segundo interesse, paralelo à Medicina, a sua carreira de músico, que também beneficiaria de proximidade à zona de Lisboa.  No caso da Dr. Inês, natural de Lisboa e ex-aluna da NMS, a escolha de permanecer em Lisboa prendeu-se com a presença na cidade dos amigos, familiares e namorado, bem como a variedade de transportes públicos disponíveis, que permitiam não perder tempo em deslocações. Assim, optou por realizar o internato no Centro Hospitalar de Lisboa Central. Ambos realçaram que a experiência desta etapa é dependente de muitos fatores por vezes incontroláveis, como a dinâmica do serviço e as pessoas que o compõem.

No que diz respeito às expectativas que tinham sobre o currículo e atividade que exerceram nesse ano, a Dra. Inês contava com um bom estágio de Medicina Interna, que fosse ao encontro do seu gosto pelas especialidades médicas, e que lhe fizesse ganhar autonomia, confiança e experiência em ver doentes, o que foi alcançado. No caso do Dr. Tiago, que optou por não enveredar numa carreira clínica, o objetivo seria mesmo “preencher lacunas e assimilar conhecimento”, bem como começar a ter alguma independência financeira.

Quanto à possibilidade de realizar todas as componentes do estágio no mesmo hospital, o Dr. Tiago apenas teve a componente de Cuidados de Saúde Primários noutro local. Para a Dra. Inês, por estar no CHLC, tal não foi possível. O horário de ambos, das 9h às 17h, era cumprido, bem como um período de urgência de 12h, 1 vez por semana. As supostas 40 horas por semana eram também cumpridas, bem como o descanso compensatório após urgências à noite. A Dra. Inês acrescenta também que não se sentiu nunca sobrecarregada, mas ressalva que esta sensação pode ser variável de serviço para serviço.

A conversa termina com uma comparação entre a experiência de ambos nas várias componentes do IFG, sendo que, em Pediatria, a Dr. Inês refere que foi alocada a um serviço, com doentes atribuídos, mas sempre com o apoio de um especialista. A urgência, nesta componente, foi mais observacional. A componente de Medicina Interna foi semelhante ao 6º ano, mas com uma urgência “mais pesada”, o que contribui para considerar esta componente a mais exigente das quatro. Na Cirurgia Geral, estariam na enfermaria, sem muita possibilidade de assistir a cirurgias (2-3x no total do estágio). Ambos fizeram pequenas cirurgias (sutura). Por fim, nos Cuidados de Saúde Primários, a parte de MGF foi maioritariamente observacional (o que dependia muito do especialista, de acordo com a Dra. Inês), e parte de Saúde Pública foi online, só com algumas apresentações. No caso do Dr. Tiago, a experiência no Vale de Santarém foi muito diferente da que tinha tido no 6º ano, o que contribui para ganhar mais sensibilidade no que diz respeito às assimetrias do nosso país em termos de cuidados de saúde, experiência esta que utiliza no seu dia-a-dia no IFE de Saúde Pública.

Após esta primeira sessão do dia, seguiram-se esclarecimentos no que diz respeito à formação médica no estrangeiro, nomeadamente no Reino Unido, Suécia e Brasil, que contaram, respectivamente, com os testemunhos da Dra. Filipa Teixeira (Interna de Psiquiatra), Dra. Rita Ferrito (Interna de Urologia) e do Dr. Carlos Pereira (Especialista de Cirurgia Plástica).

Medicina na era digital: o papel do médico nas redes sociais

A tarde inicia-se com um tema mais do que atual, o papel do médico nas redes sociais, apresentado pelo Dr. Hugo Rodrigues, pediatra, escritor e autor do blogue “Pediatria para todos”, que nos confessou logo ao início que este tema era-lhe “muito querido”.

Após uma breve reflexão sobre qual o “papel” do médico neste novo contexto, o Dr. Hugo realça a importância do conhecimento e do “saber comunicar”, frisando que os dois são necessários para um profissional “de excelência”. Aponta também para uma lacuna no ensino médico, que explora apenas a comunicação médico-doente (mais individual), deixando esquecida a comunicação ao público em geral, sob a forma de meios de comunicação clássicos e redes sociais. Esta última, em grande desenvolvimento nos dias de hoje, é usada frequentemente por mais de 60% da população portuguesa, constituindo, por isso, um importante veículo para aumentar a literacia em saúde da população. Acrescenta até que 80% dos utilizadores das redes sociais utilizam este meio para pesquisar informação sobre saúde, e que devemos fazer a nossa parte, enquanto (futuros) profissionais de saúde, na construção de uma rede de informação baseada em evidência e acessível ao público em geral. Para tal, é “necessário ter credibilidade”, o que pode ser um desafio. Conta-nos algumas controvérsias nesta área, como a dúvida se “divulgar ciência é um ato médico?”, dando o exemplo de um post hipotético, no qual daria conselhos sobre um determinado tema, e uma consulta hipotética, onde daria ao doente os mesmos conselhos. Coloca a questão de, se a segunda situação é um ato médico, a primeira poderá também ser… Assim, afirma que cabe a cada um refletir sobre estes temas, bem como sobre as regras que devemos seguir na publicação de conteúdos médicos, realçando que ainda não existem orientações sobre este tipo de comunicação.

Ainda no tema dos desafios, o Dr. Hugo conta-nos que nem sempre é fácil lidar com “haters”, e aconselha-nos a tentar não dar muita importância, bem como a reler o que publicámos, caso possa causar dúvidas de interpretação. Confessa que nem sempre é fácil ter tempo para produzir conteúdos, e que estes deveriam ser remunerados. Quando questionado sobre parcerias, dá-nos dois conselhos: “ter responsabilidade e estar confortável” com as mesmas. 

Por fim, o Dr. Hugo realça as diferenças entre alguns conceitos, que considera essenciais para o sucesso na comunicação pelas redes sociais: notoriedade é diferente de reconhecimento, e devemos procurar o segundo, e os “likes” não devem comprometer a integridade do nosso conteúdo. Termina desejando que façamos parte deste novo meio de comunicação, ajudando as pessoas a informarem-se corretamente sobre saúde.

Médico no INEM

De forma a esclarecer os participantes sobre um caminho da Medicina muito procurado pelos estudantes, a comissão deste ano do Future MD convidou o Dr. Nuno Gambino, médico VMER no Hospital de Santa Maria, a partilhar o seu percurso e dia-a-dia. Para além deste trabalho, o Dr. Nuno é também docente de medicina intensiva na FMUL, local onde tirou o curso, de 2006 a 2012. Após este, e em adição a ser especialista em Medicina Interna, tem também um ciclo de estudos especial em Medicina Intensiva. Tivemos também o prazer de o ouvir contar algumas histórias que o marcaram, e que com certeza não nos deixaram indiferentes.

A apresentação inicia-se com uma sequência de fotos, a partir das quais o Dr. Nuno recria um dos casos que teve num turno de INEM, num dos 4 helicópteros de emergência médica do país, em que aterrou numa estrada (com muita perícia dos pilotos) e assistiu um doente vítima de um acidente de viação. Aproveita a história para nos contar um pouco sobre o que acontece desde que alguém liga para o 112 até à chegada do helicóptero, o que demora menos de 1h, e que passa pelo CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes), responsável, juntamente com o INEM, pela coordenação e gestão do conjunto dos meios de socorro disponíveis, que variam desde as motas aos helicópteros. 

De seguida, conta-nos a forma como o seu interesse pela emergência médica foi crescendo e evoluindo ao longo dos anos, aproveitando para nos aconselhar a ver a aclamada série médica ER, e partilhando um momento que o marcou: em 2016, no decorrer de um jogo entre o Benfica e o Paços de Ferreira, um adepto sofreu uma paragem cardiorrespiratória. O Dr. Nuno tentou salvá-lo, infelizmente sem sucesso. Momentos tristes como este não são poucos nesta área, mas não o impedem de continuar, e conta com o apoio da família e dos colegas para tal. Informa-nos também que o INEM tem uma equipa de psicólogos pronta a prestar apoio aos familiares dos doentes e aos próprios profissionais.

No que diz respeito a aspetos práticos desta sua escolha, especialidades que lidam com doentes críticos têm maior facilidade neste ambiente em que é necessário realizar procedimentos urgentes com menos recursos disponíveis. No entanto, basta terminar o Internato de Formação Geral para poder iniciar a formação específica para esta carreira: curso de VMER, Fisiologia de Voo (no caso dos médicos que fazem helicóptero) e formação para trabalhar no CODU. Os médicos podem também optar por trabalhar no CIAV (Centro de Informação Antivenenos), integrado no INEM. Numa fase mais precoce, aconselha-nos a realizar formação de Suporte Avançado de Vida, disponível para alunos do 6º ano. Enquanto interno de formação geral, fez um estágio observacional no INEM, convidando-nos a fazer o mesmo, se estivermos interessados.

Termina afirmando-se um “contínuo insatisfeito”, tendo sempre o desejo de fazer melhor, e confessa-nos que “no dia em que as minhas pernas deixarem de tremer num turno, deixo de fazer isto”, referindo-se ao humanismo necessário à realização destas missões, tão nobres e que tanto impacto podem ter na vida de alguém.

Mesa Redonda: Internato de Formação Específica- Hospital Público VS Privado

Nesta última sessão da 5ª edição do Future MD, o Dr. Rafael Fernandes (IFG no CHLO) moderou a conversa entre o Dr. Jorge Correia, Dra. Rita Bizarro, o Dr. Tiago Caneira e a Dra. Catarina Pimentel de Morais, que se juntaram para partilhar os seus pontos de vista face às diferenças e semelhanças de optar por realizar o IFE num hospital público ou privado, opção disponível desde 2012.

O Dr. Rafael começou por se dirigir ao Dr. Jorge, questionando-o sobre a sua escolha de realizar o internato em Oncologia no Hospital da Luz. Este apontou-nos algumas vantagens que o levaram a optar pela Luz, nomeadamente a grande abertura para fazer estágios nacionais e internacionais (até com bolsas de apoio), a possível transição mais facilitada para o privado (como especialista), e a ausência do uso dos internos como “força de trabalho”, que crê existir no SNS. Quando questionada sobre o mesmo assunto, a Dra. Rita, também interna de Oncologia (mas no Beatriz Ângelo), contou-nos que obteve mais feedback dos colegas do público, e que não queria “ter uma população selecionada”, algo que poderia acontecer no privado. Ambos concordam que vêm doentes com diversas patologias, e a Dra. Rita refere que no seu serviço existe um cuidado em manter essa diversidade, com a atribuição de doentes nesse sentido.

Na especialidade de Otorrinolaringologia (ORL), o Dr. Tiago refere que, para ele, o que mais pesou foi a possibilidade de aprender com pessoas de referência, bem como o acesso à “melhor formação possível”, ou seja, a possibilidade de operar bastante, algo que viu acontecer na Cuf Descobertas, pela visão de dois colegas que lhe deram feedback. No caso da Dra. Catarina, o Hospital Egas Moniz pareceu-lhe a opção certa, sendo um centro de referência na área. Acrescenta que a questão público / privado não surgiu, uma vez que não abriram vagas para ORL no privado no ano em que concorreu.

Abordou-se de seguida como seria uma semana típica de trabalho, tendo a Dra. Rita começado por dizer que, numa semana, teria 20h de consulta externa, 12h de apoio ao hospital de dia e o restante tempo passado em reuniões multidisciplinares e trabalho burocrático. Refere que este horário não inclui fins de semana ou feriados, e que, após o estágio de Medicina Interna, não se faz urgência. 

Com uma remuneração igual aos IFE do público, o Dr. Jorge recebe, em reunião multidisciplinar, os doentes com ADSE e ADM, o que não acontece com os doentes com outros seguros, que podem escolher o médico que querem ter. Confessa que pensa ter ainda mais trabalho burocrático do que a Dra. Rita, por ter de justificar às seguradoras todos os tratamentos que prescreve. Sobre a sua passagem pela Medicina Interna, menciona ter menos casos sociais do que num hospital público, uma maior rapidez nos resultados dos exames, e uma obrigatoriedade de realizar urgência num hospital público, à qual soma a urgência no privado. São inerentes à especialidade de Oncologia Médica os Ensaios Clínicos, nos quais participam tantos os doentes da Dra. Rita, como do Dr. Jorge.

No caso da Dr. Catarina, 1 dia é passado na urgência, 1 na enfermaria, 1 dia de bloco e 1 um período de consulta, sendo que o 5º dia da semana é variável. O seu horário semanal varia então das 40 às 70h, com fins de semana e feriados livres. No dia de bloco, a sua função não é somente assistencial, o que considera muito vantajoso, bem como o facto de cada interno ter 1 dia de bloco sozinho, que permite que todos possam aprender e treinar de forma justa. Para o Dr. Tiago, uma das vantagens da Cuf é a existência de um bloco constante, bem como o facto de ele ser o único interno, o que lhe permite realizar bastantes cirurgias. Trabalhando cerca de 70h por semana, o Dr. Tiago tem na sua semana habitual 12h de urgência, bem como consulta de apoio à mesma, urgência noturna de ORL em Santa Maria, 3 a 4 noites de prevenção (por mês), e 3 a 4 períodos de consulta por semana, com as restantes horas passadas no bloco.

Quando questionados sobre o grau de satisfação com o internato, todos se mostram satisfeitos com as escolhas que fizeram. O Dr. Tiago aproveita para partilhar connosco algo bastante relevante, que se prende com a flexibilidade que tem em remarcar consultas para fazer cirurgias e fazer estágios fora. E abrindo uma questão pertinente para o público, conta-nos que existe possibilidade de remuneração extra, se for fora do horário de trabalho e excluindo consultas. No caso da prevenção, esta é remunerada se de facto for chamado ao hospital. Os restantes médicos referem que as urgências à noite têm remuneração extra, bem como os ensaios clínicos.

No final, o Dr. Rafael abre uma porta para o futuro, questionando os oradores sobre o que pensam fazer no final do internato. Todos equacionam um regime misto, com privado e público, por diversas razões, como a possibilidade de trabalhar num centro de referência (no caso do Dr. Tiago) ou a possibilidade de ligação académica, com formação de internos (no caso da Dr. Catarina). A conversa termina com um conselho unânime: “visitem os serviços para escolherem o melhor para vocês!”


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