No arranque da 3ª edição do MEO Kalorama, Massive Attack e Sam Smith foram cabeças de cartaz numa noite em que os concertos transcenderam a música em algo maior (ou assim nos foi dado a entender). No palco San Miguel, Loyle Carner aqueceu o público e Peggy Gou manteve a energia nas últimas horas da noite.
Com o abrir das portas da 3ª edição do festival, o Parque da Bela Vista voltou a encher-se de multidões ansiosas por aproveitar este último fim de semana de Agosto com uma seleção de artistas muito versátil. que reúne um pouco do melhor que a música atual tem para oferecer. Mas numa noite que passou por tudo entre pop e techno, o espétaculo reinou mais do que a música.
Quando os Massive Attack, os primeiros cabeças de cartaz da noite, começaram a tocar, ainda se sentia a luz do sol sobre o palco MEO. Apesar da hora tão precoce para um grupo do seu calibre (e talvez por isso mesmo), uma multidão enorme de fãs já esperava a banda de culto de Bristol. Composto atualmente por Robert del Naja, Adrian Thaws e Grant Marshall, têm origem no final dos anos 80. A sua fusão de elementos de hip-hop e eletrónica num som hipnótico e, por vezes, sinistro, que os caracteriza, foi muito influente no desenvolvimento de um novo estilo que dominou os anos 90 em Inglaterra, o trip-hop. Passados 5 anos desde a sua última atuação em Lisboa, voltaram a inundar o palco com as suas guitarras distorcidas, as linhas hipnóticas de baixo que reverberaram pela audiência e as melodias angelicais que os caracterizam. Mas os Massive Attack não deixaram que o seu concerto fosse uma fonte de escapismo ou esquecimento para a audiência (como a maioria dos concertos são). O grupo sempre teve uma forte veia ativista e ontem levaram-na aos seus limites. Enquanto tocavam êxitos como o arrebatador “Angel” ou o “Teardrop”, que contou com o aparecimento da voz intemporal de Elizabeth Fraser, passava uma torrente sucessiva de imagens de teor político, que nos levaram da Ucrânia a Sarajevo à Palestina numa tentativa de pôr em questão o rumo da humanidade, a nossa presença no festival e a insistência que mostramos em tentar divertir-nos num mundo repleto de desgraça. Este não é o sítio para discutir as posições políticas dos artistas, mas o palco MEO certamente também não o será. Em vez de complementar a música, as imagens de guerra e as frases provocadoras tornaram-na quase como música de fundo para o que queriam dizer, desviando a nossa atenção da genialidade do que estávamos realmente a ouvir.

Sam Smith tomou o palco principal com uma energia completamente oposta. O seu álbum de estreia celebra o seu 10º aniversário este ano e o artista inglês fez dessa palavra toda a sua atuação. Com um palco voluptuosamente decorado, uma equipa extensa de bailarinos a acompanhá-lo e constantes mudanças exuberantes de vestuário, Smith celebrou a sua carreira e celebrou a liberdade de se poder expressar como quer. Apanhando o público de surpresa, começou o concerto com duas das suas músicas mais adoradas, ambas pertencentes ao primeiro álbum: as hiper-famosas “Stay With Me” e “I’m Not the Only One”, em que Smith demonstra um timbre e alcance de voz que não desiludem ao vivo. Passou depois um pouco por toda a sua discografia, terminando com o seu último êxito “Unholy” numa performance verdadeiramente teatral. O cantor soube agarrar muito bem a energia do público durante a atuação mas, infelizmente, nem todos os disfarces, luzes e dançarinos do mundo conseguiriam tornar o pop insípido e repetitivo dele em algo mais profundo ou memorável do que um “bom espetáculo”.

No palco San Miguel, no espaço de tempo entre Massive Attack e Sam Smith, Loyle Carner subiu ao palco com o seu estilo suave de hip-hop inglês infundido de influências de jazz, tornado vivo pelo grupo de músicos que o artista trouxe para nos dar o concerto mais descontraído da noite. Com letras de um tom confessional e poético, Carner abordou o público com a mesma vulnerabilidade e proximidade. Falou do orgulho que tem nos filhos, das memórias que tem de Portugal e do seu melhor amigo Diogo que, “deve estar aí algures na primeira fila”. Para quem os viu depois de Massive Attack, foi o perfeito digestivo para nos trazer de volta ao espírito certo.
A última performance da noite foi da DJ sul-coreana Peggy Gou, famosa pelos seus sets eletrizantes de techno-house. Apesar da hora tardia, o palco manteve-se praticamente cheio do início ao fim e a energia da multidão não pareceu esmorecer com o passar das horas.
Resta uma última nota menos positiva em relação à organização do festival. Numa primeira impressão, o recinto pareceu-me demasiado disperso e de difícil orientação, com pouca disponibilidade na restauração e nas casas de banho. Por fim, o sistema de pagamento cashless adotado pelo festival como uma medida supostamente inovadora e mais eficiente não mostra ter nenhuma vantagem em relação ao habitual. e as dificuldades técnicas associadas que eu fui ouvindo acontecerem à minha volta deixaram-me a questionar o porquê da sua implementação.
João Carvalho
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