Por Pedro Pargana Ribeiro e Afonso Mendes Borges
Dia 1
Frases preferidas do 1º dia de conferências:
We need more science in politics and less politics in science. (Richard Roberts)
The future is already here – it’s just not evenly distributed. (Karim Lakhani)
The next big scandal will be with a big corporation, one among so many who make all their money extracting and mining our personal information. (Gerald Ryle)
Africa is the biggest loser every year. (Cristina Duarte)
Africa’s problem is energy access, not transition. (Cristina Duarte)
Generative AI is the co-pilot of our future. (Karim Lakhani)
It’s essential to negotiate while respecting diversity. We must be able to give up some things, even when we have upper hand in military strength. (Václav Klaus).
The media have been losing the trust of the public, sometimes with good reason. We must change that. (Gerald Ryle)
War is an environment where money can easily circulate under the radar. Today’s heroes might not be tomorrow’s. (Gerald Ryle)
I can run very fast, but I can never see where I am going. (Carolina Duarte)
Big wave surfers know fear. (João Macedo)
Re-Humanize our world. Este foi o lema com que a Estoril Conferences 2023 Edition se apresentou aos seus participantes. Esta re-humanização não é apenas um motto para um mundo empresarial, mas para a sociedade como um todo, tal como sugere o subtítulo: Planet, People, Health, Peace and Policy.
À chegada ao Campus de Carcavelos da Nova School of Business and Economics, o sol ainda está tímido e as ruas pouco mexidas. Mas a partir da área de check-in, este início da manhã é de rebuliço. Lentamente, os participantes vão entrando, entre encontros e encontrões, alguns com ar perdido e outros com ar de quem procura.
A sessão da abertura conta com várias presenças ilustres, cuja participação é precedida por um vídeo da autoria da organização da própria conferência, que marca o ritmo para o primeiro dia: Não devemos perder o rumo e ter tecnologia apenas pelo bem da tecnologia, mas ter sempre os seres humanos como objeto final. Segue-se a abertura propriamente dita, pelas palavras da jornalista Anelise Borges, host da edição deste ano. Realça que esta conferência vai trazer histórias de sucesso, triunfo, luta e tentativa. Espera que estas nos incentivem a perceber como a resiliência e a força crescem em nós quando confrontados com a crise. Esta é uma capacidade que todos temos latente e que podemos direcionar para o melhor. Não só podemos, como devemos, no dia de hoje, em que vivemos num sistema que funciona apenas para uma minoria.
A restante sessão de abertura contou com a contribuição de várias figuras ilustres: os presidente e vice-presidente da Câmara de Cascais, Carlos Carreias e Miguel Pinto Luz; os diretores da Nova Medical School e Nova SBE, Prof.a Helena Canhão e Prof. Pedro Oliveira e, por último, o Presidente da República, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Da abertura, prevalece a ideia de que a responsabilidade é uma das soluções para os problemas de hoje e amanhã: a ação diferenciadora começa na responsabilização. Por essa razão mesmo, se estava tanta gente a reunir para estas conferências.
O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa relembra as mudanças que têm assolado o mundo nas últimas décadas. Não vivemos no mesmo mundo que vivíamos nos anos 90 e nunca vamos voltar a viver, por muito que o velho mundo tente resistir a esta mudança. Os nossos desafios têm de ser enfrentados por pessoas novas, novos heróis e novas mentes. Deixou ainda no ar a questão, formulada em inglês, What do we need more, dreamers or decision-makers?
Passados os discursos introdutórios, as duas primeiras palestras foram de chamada para a ação, sem dar tempo para respirar. Richard Roberts, galardoada com o Prémio Nobel da Medicina e Fisiologia em 1993, chamou à atenção para as potencialidades dos organismos geneticamente modificados (GMOs) e não deixou dúvidas a qual era a barreira principal ao seu uso, nas suas palavras: “We need more science in politics and less politics in science”. Os GMOs são um bem necessário com má publicidade. O mundo atual ainda tem medo do termo “modificação genética”, por não entender que esta é feita há milhares de anos, a diferença é que atualmente se tem muito maior controlo sobre o resultado.
A agricultura tradicional cruza espécies de plantas e animais há milhares de anos para obter as linhagens com as características desejadas, mesmo antes de se saber sobre as leis da hereditariedade e as moléculas de DNA. Atualmente tem-se um controlo muito maior no resultado, selecionando as características desejáveis, algo que não difere, por exemplo, da forma como produzimos insulina para os diabéticos. Não é nada de novo. Assim, a histeria à volta dos GMOs tem sido principalmente motivada por agentes políticos e económicos. Na Europa, a facilidade de cultivo dos GMOs não é uma necessidade, então estes foram banidos sob o pretexto de precaução, para afastar os interesses de corporações americanas na agricultura europeia. No entanto, isto só é possível porque na Europa há muita escolha alimentar. “Food choice is a luxury, if you don’t want to eat GMOs, don’t eat them. But let those who need eat them.” É preciso os media e a sociedade civil apoiarem o seu uso, principalmente nos países em desenvolvimento, nos quais 800 milhões de pessoas vão todas as noites dormir com fome e tantas sofrem com défices nutricionais. Temos a solução e é segura, porque não a usamos?
Logo de seguida, Cristina Duarte, Vice-Secretária Geral e Conselheira para África do Secretário-Geral da ONU, falou com moderação pela parte de Cátia Batista, professora Nova SBE. “África é o maior perdedor todos os anos”. Há um profundo desencontro entre a capacidade de gerar valor e a capacidade de o reter e investir em desenvolvimento. E a peça que falta são as instituições. A economia africana ainda não se serve a si própria. Este é, aliás, um facto que marca profundamente a sua história, desde a era colonial. Em grande parte, este continente vive ainda na ausência do estado, consequência da constante instabilidade que se vive, grande parte dela ainda uma herança da Conferência de Berlim.
O contrato social está absolutamente quebrado em África. Num período em que a produtividade aumentou 240%, os salários aumentaram apenas 0,5%. Por ano, o continente africano perde 500 mil milhões de dólares, dinheiro que podia reverter, nem que apenas em parte, para a sua população. Cristina Duarte refere também como o princípio da representação em democracia é cada vez mais subjugado pelo princípio da substituição, algo sentido em todo o mundo, não apenas em África. Ensinam-nos em que em democracia que os políticos eleitos têm poder pela representação da população em geral, mas cada vez mais os políticos não representam a vontade dos eleitores, substituem-na pela sua. Isto é algo que muitos tomamos como garantido, mas não tem de ser assim. Não podemos aceitar um sistema partidário em que só tem influência quem participa direta ou indiretamente e chamar-lhe democracia.
Pela sua herança histórica única, o continente africano enfrenta desafios diferentes do resto do mundo, diferentes das restantes palestras que ouvimos. Por exemplo, a narrativa da transição energética global não se devia aplicar a África: o problema é ainda o acesso e não a transição. Por essa razão, tem o direito de pôr em cima da mesa ainda todas as opções energéticas. Esta posição contrasta com a apresentada por Miguel Stilwell D’Andrade mais tarde no dia, que defendeu que, da perspetiva do mundo Ocidental, as energias renováveis são já as mais baratas, as melhores para o futuro do clima e as que permitem uma maior independência energética da Europa. Nenhum destes oradores está mais certo que o outro, simplesmente abordam problemas diferentes, de mundos diferentes.
Outro momento para relembrar foi a palestra dada por Karim Lakhani, professor na Universidade de Harvard, que veio falar sobre o impacto da Inteligência Artificial nas organizações e no futuro da sociedade em geral. Antes de mais, esclareceu que esta não é uma questão para o futuro, a IA é uma ferramenta do presente. “The future is already here – it’s just not evenly distributed”. A IA já é usada em várias dimensões do nosso dia-a-dia: no funcionamento dos smartphones e no marketing online, por exemplo. Num exemplo ainda mais ilustrativo, Lakhani refere como o sistema de comunicação usado por 1,2 mil milhões de utilizadores tem apenas 15 mil funcionários, que coordenam apenas o funcionamento do algoritmo de IA que faz a maior parte do “trabalho”. E este sistema é exatamente a grande aplicação que a chamada Weak AI terá no futuro: automatizar funções repetitivas e libertar os seres humanos para usarem todo o seu potencial e capacidade criativa.
Analisando o percurso de empresas no mundo digital, percebemos como a sua evolução é muito desigual à das empresas tradicionais. As empresas tradicionais têm um pico de crescimento ao início que acaba por estabilizar, enquanto as digitais crescem exponencialmente. A IA só vai tornar ainda mais drástica esta diferença inerente a estes dois modelos de negócio. Acompanhando este processo, notamos como vivemos num momento em que a distribuição dos serviços passou a ser gratuita ou muito barata, através da internet: a distribuição de informação através do Google ou de música através do Spotify e iTunes.
Em conversa a sós com o orador, perguntámos como via o papel da IA na saúde do futuro. A IA vai entrar em todos os elementos que constituem a saúde hoje em dia, desde a investigação, diagnóstico e até ao apoio com o lado mais humano e emocional da medicina. Para perceber o futuro, devemos olhar para a saúde hoje e projetar para o futuro uma revolução como aquela a Amazon criou no seu mercado. Quem não quer ficar para trás, tem de aprender o uso destas novas tecnologias. “A inteligência artificial é o co-piloto do nosso futuro”.
Mais Frases preferidas do 1º dia de conferências:
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The media have been losing the trust of the public, sometimes with good reason. We must change that. (Gerald Ryle)
War is an environment where money can easily circulate under the radar. Today’s heroes might not be tomorrow’s. (Gerald Ryle)
I can run very fast, but I can never see where I am going. (Carolina Duarte)
Big wave surfers know fear. (João Macedo)
A política internacional, no tempo passado e presente, não ficou fora do palco do primeiro dia de conferências. Houve reflexão sobre o passado e chamadas de atenção para o nosso papel no presente e no futuro, enquanto subiam ao palco Sergiy Kyslytsya, representante de Ucrância na ONU, Danilo Türk, ex-Presidente da Eslovénia e Václav Klaus, ex-Presidente da República Checa.
Sergiy Kyslytsya começa por refletir um pouco sobre a natureza destas conferências, começando com um apontamento: o que significa Estoril? Se procurarmos a origem da palavra, Estoril pode referir-se a um tipo de planta ou a uma águia. Qual destes é que queremos ser neste mundo moderno? Como óbvio complemento a esta pergunta retórica, critica o Ocidente por estar a deixar Putin ganhar espaço, ao ter diminuído, na sua perspetiva, o apoio à Ucrânia nos últimos meses. A guerra não é um jogo de computador nem uma realidade simulada.
Danilo Turk preside atualmente ao Club de Madrid, no qual antigos chefes de Estado e de Governo colaboram para a resolução de conflitos e problemáticas atuais e para a promoção da democracia. Turk insiste ainda no poder que a negociação tem em resolver conflitos internacionais, até quando se trata de discutir com Putin.
Por fim, Václav Klaus fala num momento mais retrospetivo. Começou da seguinte forma: “O melhor legado que podemos deixar aos nossos netos é uma democracia que funcione.”. Como chefe de estado que presidiu à separação pacífica da Checoslováquia em República Checa e Eslováquia, o seu insight é importante num mundo em que muitos países se encontram em importantes conflitos de fronteiras (como a Rússia, a China e Espanha). Refere que na sua altura entendeu que a Eslováquia era um país muito diferente, que estava sob a sua alçada apenas porque a República Checa era o maior país da união. A sua solução para este conflito é a mesma que deixa para o futuro: O essencial é negociar e respeitar a diferença. Tem que se saber ceder, mesmo quando temos o poder de impor a nossa força. Assim, evitam-se mortes na guerra.
Já em plena tarde, Gerald Ryle apresentou a sua perspetiva do que pode vir a ser o jornalismo do futuro. Os media têm perdido a confiança do público, por vezes com razão. Por isso, devemos lutar em ganhá-la de volta. O jornalista irlandês-australiano foi quem coordenou a famosa investigação dos Panama Papers e, mais tarde, dos Pandora Papers. A história por trás destas investigações é quase tão interessante como o escândalo das off-shore que expuseram ao mundo. Tudo começou quando Ryle se começou a dedicar a investigar e expor a quantidade de dinheiro que a classe mais rica dos países Ocidentais esconde em contas off-shore. As suas investigações eram importantes na área, mas tinham ainda pouco alcance. Mesmo assim, conseguiu chamar a atenção de alguns informadores, entre eles John Doe. O nome é fictício, mas durante um longo período partilhou mais de 11 milhões de documentos que revelaram verdades chocantes, escondidas numa firma de advogados no Panamá, a Mossack-Fonseca. As pessoas que podiam combater a fuga de dinheiro para as off-shores eram quem mais as usava, trazendo à luz um lado verdadeiramente obscuro do Ocidente. Se não fosse a evidência, toda esta investigação poderia ter sido apelidada de teoria da conspiração. Alguns dos principais envolvidos? David Cameron, bem como ex-presidentes e primeiros-ministros de Itália, Austrália, Argentina, Islândia, Ucrânia, Geórgia e outras centenas de ex-chefes de Estado, membros do governo, celebridades (como Jackie Chan e Simon Cowell), atletas (como Lionel Messi e Tiger Woods) e criminosos.
No entanto, a sua intervenção nas conferências não se focou apenas no passado, tendo falado também do futuro do jornalismo. O sucesso dos Panama Papers adveio de uma colaboração entre órgãos de comunicação em 76 países diferentes, que conseguiram trabalhar em conjunto, sem fugas de informação e sem publicações antecipadas. Num mundo em que o modelo de negócio de subscrição e anúncios se está a perder, esta cooperação é cada vez mais necessária. Ryle refere como o International Consortium of Investigative Journalists se foca quase unicamente em encontrar histórias e informação e vendê-las a media partners em todo o mundo, algo bem diferente do modelo que imaginamos habitualmente. No entanto, é a partilha de informação e a coordenação entre parceiros que vai permitir expor os grandes escândalos do presente e do futuro.
Terminou avançando já informação de que não tem andado de braços cruzados e que “O próximo escândalo será com uma grande empresa, uma entre tantas que ganham todo o seu dinheiro com a extração dos nossos dados privados.”. Relembrou também a todos os presentes que “A guerra é um terreno fértil para o dinheiro circular de forma obscura. Os heróis de hoje, podem não o ser amanhã.”.
Com o progresso tecnológico, nós, seres humanos, tornamo-nos verdadeiros mestres do “delegar”. Delegamos a resposta às nossas necessidades a todo o tipo de tecnologias: desde máquinas agrárias a computadores, passando por robots de cozinha e XX. Vivemos num mundo obsessivamente tecnológico e excessivamente lógico, algo que com o passar dos séculos desumanizou quase todas as áreas da nossa vida. Esta conferência procurou cultivar um reencontro do nosso lado mais humano com os grandes desafios do presente e do futuro.
Dia 2
Novamente moderado pela sempre competente Anelise Borges, repórter da Euronews, o 2º dia das Estoril Conferences voltou a encher o átrio da Nova SBE de, perdoem o pleonasmo, expectantes espetadores para mais um dia repleto de ilustres convidados de variadas áreas.
Desta feita, o dia começou com alguns comentários iniciais, perfumados pelo cheiro a café matinal que se sentia no recinto, da parte dos diretores da Nova SBE e NMS (Pedro Oliveira e Helena Canhão, respectivamente), bem como de João Costa, ministro da educação e ainda Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS.
Após esta introdução, o ciclo de conferências recomeçou efetivamente com um convidado de peso: Aaron Chiechanover, cientista laureado pelo Nobel da Química. Na sua breve apresentação, discorreu acerca das grandes possibilidades e perigos que a sequenciação do genoma humano – a seu ver, a maior inovação científica do nosso tempo – pode trazer. Se, por um lado, poderá trazer uma medicina muito mais individualizada e custom-made, as questões sobre a privacidade do genoma mantêm-se no ar. Quem terá acesso ao nosso genoma? Podemos confiar em grandes grupos de saúde?
Tal como no dia anterior, também neste se falou (e muito) do tema na ordem do dia: inteligência artificial, vulgo AI. Depois de no dia anterior termos ouvido um professor de Harvard, desta vez ouviu-se o professor da NYU Stern Anindya Ghose. Um auto-proclamado “optimista” da AI, defendeu a importância do papel humano no discernimento, em contraste com o forte da AI: a previsão de diferentes cenários.
Em jeito de conclusão do tema, os dois oradores acima mencionados integraram de seguida um painel composto ainda por Chen Zhiyu (CEO da Dmall) e Ricardo Gil da Costa, fundador e CEO da Neuroverse, projeto inovador que a FRONTAL teve a oportunidade de poder testar. Numa mesa redonda relativamente desinspirada, discutiu-se sobretudo a importância de manter um apertado escrutínio sobre a AI e sobre as empresas que criam estas novas ferramentas que vão surgindo.
O resto da manhã foi ainda presenteado por uma boa variedade de intervenientes, contando inclusive com dois moderadores formados pela NMS. Por um lado, Inês Vivas, médica formada na NMS, atualmente a trabalhar junto da OCDE, moderou uma conversa que contou com o médico/artista visual Fola David. Também na moderação esteve Nuno Palma dos Reis, aluno de 6º ano de Medicina na NMS e fundador do projeto NOWACE, com uma conversa acerca da re-humanização das próximas gerações, com o grande ímpeto de se potenciar uma constante aprendizagem e comunicação em sociedade.
Em antecipação para a pausa de almoço que dita a meia reta deste dia, houve ainda tempo para uma curta performance musical, com um trio composto por dois médicos (José Themudo Barata e Fernando Heleno) e o músico Paulo Rosado.
Enquanto que a manhã se pautou por alguns momentos menos concisos, a última tarde do evento teve um claro ritmo, em jeito de conclusão. Começando com um dos nomes mais sonantes do mundo da saúde, Robert Langer. Se a simples menção deste nome ainda não vos fez deixar cair o queixo é porque, tal como o vosso humilde correspondente, são uns meros leigos nestes assuntos. Detentor de cerca de 1400 patentes, Robert Langer é atualmente o 2º indivíduo mais citado em publicações científicas, coordenador do maior laboratório de engenharia biomédica do mundo (do MIT) e fundador da Moderna. Entre muitas(!) outras coisas. É, sem sombra de dúvida, detentor do mais vasto currículo dos oradores que por estas conferências passaram. Na sua intervenção realizada via videochamada, realçou sobretudo alguns dos maiores feitos da sua carreira, nomeadamente a criação dos primeiros agentes inibidores da angiogénese, terapêutica que é atualmente amplamente utilizada em doentes com cancro; e ainda sobre o desenvolvimento, com a Moderna, das vacinas de mRNA no combate à pandemia de Covid-19. Com efeito, salientou a incrível rapidez com que as vacinas puderam ser criadas graças a esta tecnologia, tendo sido criadas efetivamente apenas 2 dias após a sequenciação genética do vírus. Uma tremenda evolução. Concluiu não com os olhos postos em feitos passados, mas nas possibilidades do futuro, apontando o dedo para vacinas personalizadas para o combate ao cancro. Uma apresentação interessantíssima.
De seguida, o tema foi bruscamente mudado para algo totalmente diferente, desta vez com a portuguesa Ana Carolina Sena, manager de parcerias na plataforma de live-streaming Twitch. Numa palestra interessante, realçou sobretudo as atuais tendências do mercado, mostrando a mudança do paradigma vigente: os consumidores já não querem apenas os conteúdos curados pelos grandes estúdios, querem algo mais próximo, mais relatable, sobretudo mais personalizado. Querem, no fundo, sentir-se representados em alguma forma de media, e estas plataformas acabam por dar e democratizar esse palco, dantes apenas ocupado pelas maiores caras.
Com a aproximação do fim do evento, chegou-se a um dos momentos mais interessantes destes dois dias, com a apresentação dos projetos premiados da plataforma Patient Innovation. Fundada em 2014, esta plataforma parte da premissa de que os doentes e outras pessoas que contactem com problemas de saúde podem ter um papel ativo na apresentação de soluções criativas e disruptivas, apresentando projetos que tenham desenvolvido. Por sua vez, a Patient Innovation encarrega-se de promover os projetos com maior potencial, procurando investimento. Como parte dos fundadores da plataforma, os diretores Helena Canhão e Pedro Oliveira subiram uma vez mais ao palco para introduzir os projetos premiados.
Foram apresentados vários projetos, desde luvas para melhor deteção do cancro da mama até óculos que permitem auxiliar pessoas com grande diminuição de visão a evitar obstáculos. Os vários projetos apresentados pautaram-se pela sua variedade e engenhosidade.
(todos os projetos estão descritos em maior detalhe no fim do artigo)
Finalmente, ainda houve tempo para uma despedida musical a cargo do amplamente conhecido Salvador Sobral. Numa curta atuação, pautada por pequenos comentários com o público, falou sobre o transplante cardíaco a que foi submetido, enquadrando esta intervenção com as inovações que se têm dado na área da saúde. Como não podia deixar de ser, passou obrigatoriamente pelo seu maior hit, Amar pelos Dois, mas ainda houve tempo para uma canção extra, a pedido do público. Tendo em conta o projeto apresentado anteriormente, para pessoas com dificuldade de visão, pareceu adequado ter escolhido um tema de Ray Charles (ele próprio cego), What Would I do Without You, para fechar este evento.
Tendo chegado ao fim, é de louvar a exemplar organização do evento e a sua elevada diversidade de oradores e temas discutidos. Com efeito, foram várias as palestras que durante a globalidade do evento não só cativaram, mas também suscitaram novas questões acerca de inovações em saúde, inovações no domínio da AI, novas tendências de mercado, etc. É de salientar ainda a mais valia que aparenta ser a associação da Nova Medical School a este evento, ficando as expetativas de que esta se mantenha nos próximos anos e de que se continue a associar a outros eventos de semelhante dimensão.
Alguns dos projetos mais interessantes encontrados nas Estoril Conferences:
Neuroverse: A Neuroverse é uma empresa que desenvolve produtos relacionados com a neurotecnologia, focada em soluções para melhorar a saúde mental e o bem-estar. O seu produto principal é um dispositivo wearable avançado que combina tecnologia de monitorização cerebral com inteligência artificial para ajudar os utilizadores a compreender e melhorar a sua saúde mental, oferecendo insights e recomendações personalizadas com base nas atividades cerebrais. Auxilia ainda no controlo e análise do sono, bem como na gestão de doenças mentais.
Uhura bionics: Um dispositivo que funciona como uma eletro-laringe, permitindo dar voz (literalmente) a quem a perdeu. Com um dispositivo que se pauta pela sua forma francamente discreta, amplifica a voz e permite dar timbres diferentes ao indivíduo. A sua apresentação foi muito surpreendente, apesar de mostrar ainda a necessidade de alguns afinamentos tecnológicos, sobretudo no timbre altamente robótico da voz.
BIEL GLASSES: Com o grande objetivo de devolver alguma independência a pessoas com graves défices visuais, os Biel Glasses surgem como um guia visual. Essencialmente, estes óculos reconhecem e sinalizam obstáculos, alterações de pavimento ou luzes de semáforo (entre outros) para auxiliar estas pessoas a andar na rua com maior segurança. De realçar da apresentação, foi o seu preço competitivo e a necessidade de apoios estatais para tornar esta e outras inovações acessíveis para as pessoas com défices visuais.
Glooma: Empresa portuguesa (única aqui representada) muito promissora, oferecendo um novo dispositivo no auxílio à deteção do cancro da mama. A SenseGlove é uma luva que permite à própria mulher analisar o seu tecido mamário com maior precisão. A luva, ao sentir alguma alteração no normal tecido, mostrará um aviso indicando que deverá ser vista por um médico, procurando assim levar a diagnósticos mais precoces do cancro da mama. Este produto encontra-se já em fase de teste piloto em diversas instituições de saúde, tais como a Cuf Descobertas ou o Hospital Fernando da Fonseca, tendo reportado resultados muito satisfatórios.
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