Conferências do Estoril 2024 – Dia 2 (parte 1)

Durante os dias 24 e 25 de outubro de 2024 a NOVA School of Business and Economics (NOVA SBE) foi o palco de um dos principais eventos focados no debate de temas da atualidade sob múltiplas perspetivas, as Conferências do Estoril de 2024, organizadas pela NOVA SBE e NOVA Medical School, em parceria com o Digital Data Design Institute de Harvard.

O evento contou com mais de quatro mil participantes e 80 oradores nacionais e internacionais que se juntaram para refletir sobre sustentabilidade, alterações climáticas, promoção da paz, saúde, igualdade de género, economia e o futuro da tecnologia, em torno do tema “Time To Rethink“.

Neste terceiro artigo poderá encontrar a cobertura da FRONTAL de múltiplas palestras que ocorreram na primeira metade do segundo dia do evento.

Why we should love bacteria | Porque devemos gostar de bactérias

Cobertura por Sara Sousa

Sir Richard Roberts, dia 25 de outubro de 2024 nas Conferências do Estoril | Créditos de imagem: Boa Onda Produções

A árvore da vida é composta por 3 grupos diferentes de organismos e as bactérias representam a vasta maioria, visto que, elas estão presentes em todos os tipos de ambientes, dos mais extremos aos mais acolhedores. Ao seu nome está associada uma conotação negativa por se achar que apenas nos causavam doenças, no entanto, sem elas não estaríamos aqui. Elas são capazes de se comunicar com o nosso cérebro e ajudar-nos em diferentes processos do nosso corpo. Sir Richard Roberts afirma que existe muito a explorar sobre a conexão destes seres tão mínimos e tão valiosos à vida. As bactérias vão além no que toca proteger-nos de doenças como, por exemplo, o cancro dado que nós somos a sua casa e como tal devemos evitar a toma desnecessária de antibióticos. No entanto, em casos de pobreza e fome, o antibiótico das pessoas é a alimentação e, como sabemos, nem toda a população está em igualdade de recursos alimentares. É aqui que a biotecnologia dá um passo em frente no que toca à criação mais eficiente de plantações. 

Roberts acredita no futuro dos alimentos geneticamente modificados para alimentar crianças e fornecer-lhes os nutrientes que precisam para crescer, no entanto, encontra dificuldades na sua missão devido à desinformação que circula sobre estes alimentos. Sir Richard Roberts pede-nos para tomar ação e juntar-se à sua missão para poder ajudar todos aqueles que necessitam e se encontram em desnutrição devido à falta de recursos. 

Is the obsession with health turning into a medical condition | Será que a obsessão com a saúde se está a tornar numa patologia médica

Cobertura por Matilde Marques

Bruno Heleno, John Brandt Brodersen e Alexandra Brandt Jønhsson, dia 25 de outubro de 2024 nas Conferências do Estoril | Créditos de imagem: Boa Onda Produções

Pessoas idosas têm mais doenças. A questão que se coloca não conflitua com este facto, prendendo-se com o seguinte: será que diagnosticar “doenças” em pessoas assintomáticas idosas é mesmo necessário e, sobretudo, benéfico? 

Nesta palestra que contou com John Brandt Brodersen e Alexandra Brandt Jønhsson, com a moderação de Bruno Heleno, é dado o exemplo do cancro da próstata em pessoas com mais de 80 anos de idade: nos casos em que a doença não dá sintomas nem faz diminuir a esperança média de vida destas pessoas, fará sentido fazê-las passar por tratamentos e sujeitá-las ao peso emocional de terem uma doença oncológica? É a partir desta questão que surge a necessidade de explicar à plateia, não constituída na sua maioria por estudantes de medicina ou profissionais de saúde, o que significa sobre-diagnosticar, explicando que esta prática tem mais malefícios que benefícios.

Assim, torna-se essencial saber distinguir uma doença de uma condição típica do envelhecimento, bem como ter noção de que por vezes certos processos naturais do envelhecimento beneficiam de tratamento, enquanto que outros não. Estes temas devem ser abordados consoante o desejo da pessoa de ser ou não “medicalizada”, tendo também presente a alocação de recursos. Nem sempre é fácil fazer esta distinção, e os profissionais de saúde devem, em conjunto com os doentes, procurar solucionar problemas reais, não comprometendo a qualidade de vida dos mesmos.  

What can we learn from the world’s most vulnerable nations to lead better | O que podemos aprender com as nações mais vulneráveis para liderar melhor

Mais do que vítimas, líderes

Cobertura por Maria Kranendonk

Elizabeth Kite, dia 25 de outubro de 2024 nas Conferências do Estoril | Créditos de imagem: Boa Onda Produções

Elizabeth V. Kite nasceu numa ilha no oceano Pacífico, Tonga. “O paraíso tropical”, como ela referiu e muito o descrevem. O que não sabemos é que também é este paraíso que foi declarado a terceira nação do mundo mais vulnerável a desastres naturais resultantes das alterações climáticas e à subida dos níveis das águas do mar, o que faz com que a vida destas populações não se equipare a um verdadeiro nirvana, e se caracterize, na verdade, por uma luta contra desafios climáticos diários.

A sua “voz do futuro” conta-nos, em primeira mão, o que é viver em constante incerteza devido a algo que pouco pode controlar (pelo menos, no momento presente): o clima. Assistir aos efeitos que a subida das águas, a erosão das costas e as tempestades intensas têm provocado na sua terra-mãe foi o que a inspirou a procurar soluções, a educar os que estavam à sua volta e a empoderar comunidades que sofrem das mesmas calamidades.

O seu “agent number” é 1.5. Todavia, Elizabeth acrescenta que não é apenas o seu, mas sim o de todos que lutam para atingir um aumento de apenas 1.5ºC da temperatura registada à superfície do planeta até 2100. A fundadora da primeira ONG liderada por jovens em Tonga, “Take The Lead Tonga”, educa, para esse efeito, os responsáveis pelas tomadas de decisões a nível mundial a priorizar as necessidades das populações vulneráveis impactadas pelas alterações climáticas. Ainda enfatiza, da mesma forma, a importância da colaboração internacional, uma vez que o clima é algo que nos afeta a todos, não apenas ao Pacífico, e o Ocidente é igualmente responsável por esse dano. É só ouvindo a sua voz e reservando um lugar para eles em mesas redondas de discussão que o tema do clima poderá ver uma luz branca ao fundo do túnel, com estratégias concretas estabelecidas,  já que “Somos tão fortes quanto as nossas nações mais vulneráveis”.

Para aqueles que acreditam não apenas nas alterações climáticas, mas, mais ainda, no poder da mudança a começar pela voz de quem se faz ouvir, Elizabeth utiliza a sua cultura como exemplo. Na ilha de Tonga, existe proximidade entre líderes e cidadãos, uma dedicação inabalável na luta contra questões climáticas e uma abordagem correta à liderança, que usa o diálogo como ferramenta fundamental e estabelece como prioridade o bem-estar coletivo. É a vontade firme de mudar que caracteriza Elizabeth e que deve contagiar todos nós. 

Para aqueles que negam, o convite para uma visita à ilha está feito, onde a natureza certamente provará o contrário. E tudo começa por aqui: “Proteger o Pacífico para preservar o planeta”.

Why must ancient wisdom and modern science urgently meet | Por que a sabedoria antiga e a ciência moderna se devem encontrar urgentemente

Cobertura por Matilde Marques

Rui Diogo, dia 25 de outubro de 2024 nas Conferências do Estoril | Créditos de imagem: Boa Onda Produções

“Não é verdade que as populações indígenas vivem menos. Se contarmos só com as pessoas que não morreram antes dos 10 anos de idade para o cálculo da esperança média de vida, muitas destas pessoas ultrapassam os 80 anos de vida com saúde.” Com Rui Diogo, biólogo, investigador e escritor luso-americano, como “guia”, viajamos no tempo e no espaço para descobrir aquilo que enquanto humanos sempre soubemos e parecemos ter esquecido.

Desde aquilo que comemos, a forma como nos relacionamos com os outros, as maneiras que nos expressamos, as estratégias que inventamos para nos curarmos e as “soluções” que arranjamos para tratarmos dos mais velhos… Em todas matérias podemos aprender com populações indígenas, que têm métodos não patenteados para lidar com estas questões inerentes à vida humana.

Rui Diogo dá-nos vários exemplos: um de uma planta medicinal tão útil que está a ser colhida e usada como fármaco por outros países, levantando a questão das patentes e do reconhecimento científico e financeiro que estas populações deviam receber; outro sobre como não há registo de suicídios nestas populações. Vários estudos sugerem que o respeito pela natureza, a alimentação mais equilibrada e que acompanha a sazonalidade dos alimentos e sobretudo a vida em comunidade contribuem para a felicidade e o bem-estar da nossa espécie, o que muitas vezes é esquecido na nossa maneira de viver, mais rápida, mais stressante, menos comunitária e mais artificial e urbana.

Quando se tenta “escolarizar” as crianças destas populações à nossa maneira, com salas de aula fechadas, silêncio, cadeiras para sentar durante horas e métodos de repetição sem aplicabilidade prática, não funciona muito bem. Isto porque o ser humano não foi feito para aprender assim, mas sim de forma empírica, lá fora, em contacto com a natureza e com os outros. Não é por acaso que a polifonia mais complexa foi inventada usando este método.

Também a forma como lidamos com o fim da vida deixa muito a desejar: não respeitando os idosos e até fazendo “troça” de processos naturais ligados ao envelhecimento. Neste modo de viver, do qual devemos tirar mais uma lição, os idosos são acolhidos e cuidados na comunidade, continuando a fazer parte desta, o que melhora a sua qualidade de vida e desacelera o declínio cognitivo e de autonomia inerente ao passar do tempo.

How can education thrive in a turbulent global landscape | Como pode a educação prosperar num cenário global turbulento

Reitores, Universidades e Geopolítica

Cobertura por Pedro Picoito

Graham Miller, Sarah Ashwin e Francisco Veloso, dia 25 de outubro de 2024 nas Conferências do Estoril | Créditos de imagem: Boa Onda Produções

Na introdução da conversa, Graham Miller afirmou que vivíamos um período de grande turbulência, como se podia ver pelos temas abordados nas Conferências do Estoril, e que a educação estava sujeita a essa mesma turbulência também. Perguntou então a Sarah Ashwin de que forma a agitação atual se relacionava com a educação. 

Ashwin vê o clima político mundial como difícil, causando protestos nos campus universitários. As manifestações podem pôr em causa o papel das universidades como espaços onde as ideias são desafiadas e debatidas, papel este que deve ser protegido. 

Ashwin considera os protestos como naturais, uma vez que os estudantes sempre estiveram na vanguarda e do lado certo da História, mas que deve haver uma distinção entre estudantes e a universidade. A universidade deve criar um espaço de respeito, onde todos se sintam bem-vindos e possam exercer o seu direito de livre expressão. Relembrou ainda que algumas universidades na Europa foram banidas dos seus países, tendo fugido para outros ambientes mais tolerantes, e que por isso, como universidade, era também importante manter a licença para operar.

Francisco Veloso acrescentou que as universidades não deveriam ser vistas como ativistas, uma vez que isso enfraquece os resultados da investigação que lá é feita. Defendeu que se deve proteger o direito ao protesto mas também o direito a aprender, para aqueles que, em vez do protesto na linha da frente, preferem diálogos de um para um. Adicionou que este equilíbrio era difícil de estabelecer.

Mais tarde, Miller perguntou a Veloso se têm sido feitos esforços para incluir as atuais questões de sustentabilidade no currículo universitário. Como Reitor da INSEAD, assegurou que tinham sido feitas alterações aos quatro cursos principais de forma a abarcar a sustentabilidade, por ser importante para futuros líderes empresariais. No entanto, lembrou que a INSEAD não é uma escola de ciência política, mas sim de economia, e que, por isso, devem ser fiéis à missão educativa e manter o foco na investigação. 

A conversa encerrou com considerações de Veloso acerca do equilíbrio entre independência e acessibilidade. Por um lado, propinas mais altas levam a que a universidade dependa menos de ajuda externa, estando mais independente. Por outro, Veloso apontou que propinas elevadas criavam desigualdades ao não permitir que todos tenham acesso a estudos.


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