Entrevista realizada em abril de 2023 por Matilde Marques e publicada pela primeira vez em novembro de 2024.
Homenageando a estrutura do podcast Medicopatias, a entrevista será também “uma alegoria à história clínica” deste projeto.
Identificação
José Chapelas
Rafael Fernandes
Rita Andrade
Sara Serra
História da Doença Atual
Como é que se conheceram?
Os 4 amigos não vivem juntos, ao contrário do que imaginei por algum motivo… Aliás, o Zé até nos confessa que só viu a Sara presencialmente após 2 temporadas de gravação. Nenhum dos quatro se conhecia antes da faculdade, e o elo inicial entre eles é a Rita, que namora com o Rafa e era da turma do Zé, que ficou amigo do casal. A Sara, por sua vez, conhece o Rafa da NOVA Debate, e os dois partilham um amigo, colega de casa do Rafa. Os quatro acabaram por se juntar para este projeto, altura em que o Zé e a Sara se conheceram.
Quando é que descobriram que queriam ser médicos?
Rafa – “Ainda estou a descobrir diariamente, porque não vim para o curso com a ideia pré-definida que queria ser médico para sempre, nem a saber bem o que é que um médico faz… Não consigo dizer bem quando é que descobri que queria ser (médico), há dias em que quero mais, outros que quero menos, acho que tens de encontrar um balanço, e ir de mente aberta. Entras em Medicina e levas logo com uma “carrada de coisas”, e parece que a tua vida se fecha aí. Eu acho que a mentalidade deve ser o contrário, mas o que senti na faculdade foi que o teu caminho é só um, mas, pelo contrário, tens de ver que há vários caminhos, e mesmo envolveres-te em vários projetos. ”
Sara– “Acho que o final do secundário é uma altura um bocado precoce para sabermos o que é que vamos fazer para o resto da vida, eu pelo menos não me sentia muito preparada para tomar essa decisão… Sempre tive vários interesses, desde arte, gestão, matemática, biologia… O que me fez ir para Medicina foi querer algo que me estimulasse mentalmente e que me permitisse aprender coisas novas todos os dias, uma profissão recompensante emocionalmente. Não tinha muita noção do que era ser médico na altura, não havia Medicopatias! Entrei um bocado às cegas no curso, mas, agora no 6º ano, sinto que fiz a decisão certa. ”
Rita – “Tal como a Sara, cheguei ao 12º ano sem saber muito bem o que é que queria, na verdade até gostava mais de Matemática do que de tudo resto, mas era um bocadinho indiferente. Medicina surgiu como uma hipótese porque podia seguir várias coisas. Durante o curso, comecei a gostar do que estava a dar, em termos de matéria. Nunca foi assim um sonho de criança, e foi interessante no podcast que quando perguntávamos às pessoas esta pergunta, muitas delas também respondiam como nós.”
Zé – “À vossa semelhança, também estava um bocado perdido, e quando tinha 6 anos, até dizia que queria ser etólogo, ou seja, aquelas pessoas que estudam o comportamento dos animais, o que era super específico. No secundário, fiquei indeciso entre Medicina e Engenharia Física, porque também gostava muito dessa vertente. Sinto que a Medicina acaba por ser um bom equilíbrio, porque engloba aspetos da nossa própria existência, e é um continuar deste “drive natural” que nos une a todos como humanos. É também uma descoberta que vou fazendo todos os dias.”
O que vos levou a criar o podcast?
Na ótica dos quatro autores, em Portugal não havia nada aprofundado sobre a vivência, o dia a dia de cada especialidade, e os congressos eram todos sobre o número de horas de cada especialidade, o que é que tem de se fazer de currículo, horas de consulta, às vezes salários… – o que não era informativo o suficiente. Notavam que nessas apresentações, as pessoas davam essas informações mais gerais, e que era nas perguntas do público que eram feitas as questões que mais lhes interessavam: se participavam ou não em cirurgias, se havia tempo para outras coisas, se dava para conciliar com alguma atividade no privado… Foi por isto que também decidiram incluir um interno e um especialista, para ter input dos dois, de duas perspectivas diferentes.
Que desafios tiveram de encontrar?
Saber encontrar um equilíbrio entre o tempo dos episódios e a informação que queriam transmitir foi um desafio, e optaram por explorar mais, querer saber mais, sem nunca reduzir os episódios. Quiseram preencher a lacuna entre “o real e o conceptual”, ou seja, entre o imaginário que cada um tem sobre determinada especialidade, que pode ou não corresponder à realidade da pessoa entrevistada. Alguns amigos comentaram que os episódios eram longos demais, mas o grupo tinha consciência que os ouvintes não iam ouvir todos os episódios, mas sim aqueles que abordavam as especialidades que lhes suscitavam maior curiosidade. Notaram também que alguns dos episódios com maior retenção (maior número de pessoas que ouve até ao fim) eram aqueles que abordavam especialidades mais desconhecidas, o que mostra a curiosidade dos ouvintes.
A pandemia impulsionou ou dificultou o vosso projeto?
O projeto em si surgiu no fim de 2019, foi bastante trabalhado em 2020, e a pandemia ajudou nesse sentido porque o Zoom nessa altura era grátis. O 1º episódio foi gravado em outubro de 2020, e saiu em fevereiro de 2021. Os episódios foram feitos em temporadas de 15 episódios cada, que seguiam mais ou menos os semestres da faculdade, até 2022, altura em que saíram os últimos 3 episódios. O covid ajudou muito, e ser tudo online também foi bom porque todos tinham maior disponibilidade, e não ficaram limitados a entrevistar apenas médicos de Lisboa.
Que conselhos dariam a vós próprios, agora que o podcast já terminou?
Sara – “Primeiro, saber que há tempo para tudo, mesmo com muitos trabalhos da faculdade, pois tínhamos tudo muito organizado, especialmente graças à Rita. É necessário pôr as mãos na massa, e saber que conseguimos fazer outras coisas para além da faculdade. Outra coisa que também aprendi com o podcast é que é válido querer uma especialidade, escolhê-la, e depois perceber que afinal aquilo não é para nós, e mudar de rumo, repetir o exame.”
Rita – “Um dos nossos medos iniciais era se, por sermos um projeto independente, se seríamos capazes de abranger muitas pessoas. Não achem que isso possa ser um problema, se fizerem algo com interesse, com conteúdo importante, devem avançar, independentemente dos apoios iniciais que possam ter. Também percebemos pelo podcast que as nossas prioridades mudam ao longo do tempo, que se adaptam ao modo de vida que queremos ter.”
Zé – “A maioria dos episódios aprazíveis de se ouvir eram de pessoas que tinham sido honestas com elas próprias, que tinham escolhido a especialidade porque se identificavam com ela, por motivos maiores do que mero conforto ou estatuto. Tinham uma inclinação natural para esse tema, e partilharam mesmo a realidade que viviam, que às vezes podia não ser a mais fácil, mas que para elas era o que fazia mais sentido.”
Rafa – “O meu conselho é que depois de ouvirem um episódio, se se interessarem pela especialidade, vão conhecê-la melhor, visitando o hospital, falando com as pessoas.”
Quais foram os episódios que mais gostaram de gravar e têm alguma história interessante que queiram partilhar?
A Sara e o Rafa têm como preferido o episódio de Ortopedia, e o Zé o de Oncologia, no qual o médico entrevistado conta algumas peripécias não-médicas… O da Rita é o de Ginecologia-Obstetrícia, e o de Cirurgia Vascular. Também gostaram bastante de gravar os episódios de Dermatovenereologia, Reumatologia, Anestesiologia, Otorrinolaringologia, Psiquiatria…
O Zé também nos confessa que chegou a gravar alguns episódios no roupeiro, para melhor isolamento acústico, e até na cozinha, quando esteve de Erasmus na Polónia.
Alguns episódios tiveram convidados inesperados, nomeadamente bebés a chorar, ou crianças a falar, bem como uma convidada que teve de sair a meio para ir operar… Houve também um episódio que teve de ser temporariamente suspenso, por razões que não puderam ser partilhadas…
Antecedentes Pessoais
A Rita e a Sara começam por nos contar que o Zé já tinha um podcast, de humor e informal, que acabou por deixar para participar neste projeto. O Rafa, ao gostar muito de música, já sabia editar, o que foi bastante útil.
Exame Objetivo
Nesta parte da entrevista, fiz o mesmo que é feito nos episódios do podcast, onde os convidados têm de escolher, entre 2 opções, a sua preferida!
“Interno ou especialista?” – os dois são essenciais para termos uma ideia da especialidade, apesar do interno ser aquele que nos dará mais informação de como será a nossa vida num futuro mais próximo.
“Um ou dois convidados?” – dois convidados é melhor, para termos uma visão mais completa, sendo também mais giro e dinâmico.
Epicrise
Numa nota final, o grupo quis mencionar o Med Apprentice, e a Acta Médica Student, que fez várias infografias com os aspetos mais formais das várias especialidades.
Terapêutica

A Rita recomenda aos leitores-ouvintes a obra The man who mistook his wife for a hat, de Oliver Sacks, o filme “Whisplash“, os artistas musicais Capitão Fausto e Plini, o podcast misterioso e desaparecido “Epiphania”, e basicamente tudo do Carlos Coutinho Vilhena como uma “categoria à parte”…

A Sara recomenda aos ouvintes-leitores o livro Nightfall and other short stories de Isaac Asimov, 2 filmes: Shutter Island e Silence of the lambs, e uma data de Bandas musicais: Slipknot, The Neighborhood, Foals e Beach House.

O Rafa traz às leituras e audições obrigatórias o álbum “10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte” de José Cid, a música “Octaviarium“, dos Dream Theater, os livros A Morte da Competência e Musicophilia, ambos de Oliver Sacks, e a obra de Scott Kelly intitulada Endurance. Para os espetadores-ouvintes, recomenda o filme “The Prestige“, e os podcasts “45 Graus” e “Huberman Lab“.

Por fim mas não menos importante… O Zé recomenda à audiência incrível do Medicopatias 2 livros: O Mal-Estar na Civilização, de Sigmund Freud, e o 1º Livro de Crónicas, de António Lobo Antunes. Sugere os stand-ups do humorista Ricky Gervais, e os álbuns “Mr Morale & The Big Steppers“, de Kendrick Lamar, e destaca a música “One of These Days”, do álbum dos Pink Floyd “Meddle”. Recomenda também que passemos a conhecer o projeto CurArte, da AEFML.
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